terça-feira, novembro 21, 2006

Lou Reed pela lírica de Marcos Prado

Os velhos e bons Lou Reed e Laurie Anderson

O Marcos Prado fez versões brasileiras de vários poetas, sozinho e em parceria com criaturas ilustres como o Sérgio Viralobos, o Thadeu, o Edilson Del Grossi e outras menos ilustradas, por exemplo, eu. Em outra vertente, traduziu poesia cantada de figuras clássicas, com o auxílio luxuoso de personagens heróicos como o Ivan Justen. Os dois juntos fizeram muitas e boas, pretendiam lançar um livro só de letras traduzidas - algumas em parceria com o Edson de Vulcanis, o Márcio Cobaia Goedert, o Edilson. É um livraço e até agora não saiu (apenas dois exemplos daquelas belezas estão ao alcance, de Jim Morrison e Lou Reed, publicados no livro Ultralyrics, que saiu pela Travessa dos Editores). Então, aqui vai mais um exemplo. Dos velhos e dos bons.

suzana, eu te amo

você partiu meu coração e me fez chorar
disse que não sou um cara com quem se dance
mas agora volto pra te provar
que sou chegado num romance

faça o que tem a fazer
faça o que puder suzana cano
faça o que quiser fazer
mas lembre: eu te amo

faça tudo de uma vez
e mais uma segunda, suzana cano
faça o que quiser fazer
mas lembre: eu te amo

amo quando está boa
amo quando está sacana
faça o que quiser fazer
mas lembre de quem te ama


(I love you, Suzanne - Lou Reed / Versão brasileira de Marcos Prado)

domingo, novembro 19, 2006

Jokerman

Uma das coisas legais da miséria brasileira é que basta revirar umas gavetas para se achar coisas geniais inéditas. Por exemplo, esse roteiro para um curta, feito pela dupla Marcos Prado e Thadeu, há uns bons 15 anos. Leiam e façam o filme na cabeça. Ou esperem sentados.

Papel de Palhaço

Roteiro para curta-metragem


Cena 1

Executivo entra em sua sala de trabalho, esfrega as mãos e senta-se à sua mesa. Está sorridente.

Pega uma das folhas que está sobre sua mesa cheia de papéis, lê, atenciosamente, e rasga. Joga no lixo.

Volta-se para a pilha e, já sem sorrir, avalia a quantidade de trabalho que tem pela frente.

Pega outro documento, lê, nem tão atenciosamente, e rasga. Repete o gesto. Parte pra cima de outro. E outro. E outro, assim, sucessivamente até estraçalhar o último pedacinho.

Ao lançar o último pedacinho faz gesto típico de Pelé ao marcar um gol. Câmera pega em big close o pedacinho de papel em sua trajetória até a cesta de lixo transbordante.

A euforia do executivo acaba com a entrada da secretária que traz nos braços uma enorme pilha de papel que, educadamente, deposita sobre sua mesa. De cima da pilha ela pega um documento para que o executivo assine. Vê-se claramente a palavra “Contratação”, no alto do papel.

Secretária sai com o documento sentindo todo o olhar de seu chefe sobre sua bunda.


Cena 2

Executivo e assistente, em suas respectivas mesas, rasgando papéis, bastante animados e decididos.

Várias pessoas trazendo pilhas de papel são mostradas apenas pelo detalhe de parte do corpo, à altura dos papéis que carregam.

Os dois, à medida que aumenta o volume das entregas, aceleram da mesma forma a linha de produção de papéis em pedaços.

O ritmo vai acelerando, gradativamente.

Big close em mão do executivo, que sangra após corte em um grampo. Executivo olha para a mão e é cercado por vários entregadores. Câmera filma-os do ângulo de visão do executivo. Ou seja, aparecem pilhas de papel rodeando a sua mão.

Abruptamente, executivo reinicia o trabalho, deixando sangue sobre os papéis que rasga.

Ritmo dos carregadores aumenta ainda mais.


Cena 3

Secretária entra, munida de guilhotina e picador de documentos e une-se aos dois que estão descabelados e desgravatados, trabalhando alucinadamente.

O detalhe é que ela ajeita os papéis delicadamente para só então destruí-los.

O executivo levanta, abre um fresta na persiana e espia.

Câmera sai dali para a rua, onde caminhões, carros, garis, carteiros, carregadores e transeuntes curiosos estão na maior agitação.

O que está acontecendo na verdade é o seguinte: caminhões de lixo de um lado e caminhões de entrega do outro estão provocando o caos no trânsito da rua, pelo descomunal congestionamento.

No corredor do prédio, uma verdadeira guerra está sendo travada entre os que entram com papéis e documentos e os que saem com os sacos de papel picado.

Clima pesado. Empurrões. Sacadas.

Câmera retorna pela mesma fresta. O escritório a esta altura já está quase tomado pelos papéis.

Na pilha ao lado de seu assistente que está na últimas forças, quase completamente esgotado, câmera dá um close na guilhotina onde se vê a mão da secretária separada do corpo mas segurando firmemente um maço de papéis.

Assistente desaparece.

Executivo olha para as pilhas que despencam sobre ele e pula, como se estivesse mergulhando. Câmera acompanha seus movimentos. Close para emersão no meio dos papéis, executivo respira aliviado, puxa o ar e mergulha decidido.


Cena 4

Executivo mergulhado em mar de papéis, chegando ao relógio ponto. Limpa o local, localiza o seu cartão ponto, introduz na máquina, bate o ponto, confere e rasga-o.

Câmera tipo olho do executivo vai passando pela ficha técnica que nada mais é do que fragmentos de envelopes e documentos que estão no caminho.

A câmera é também filmada por outra câmera saindo em direção à porta.

Volta em close para os envelopes e papéis com os últimos nomes da ficha técnica e sai para a calçada, onde está, bem no meio, um solitário e pequenino pedaço de papel rasgado escrito fim, à mão.

(Marcos Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)