quinta-feira, março 02, 2006

Só para não ficar barato

Soube pelo blog do Mário Bortolotto que um "crítico" da revista Veja foi extremamente desrespeitoso com os escritores André Santana, Marcelo Mirisola, Daniel Pelizzari e Nelson de Oliveira. Normal. Eles deviam mais é mandar emoldurar e pendurar no escritório. É uma espécie de medalha e, a partir de agora, prestarei continência cada vez que eles entrarem no ambiente. Claro, óbvio e evidente que não li a tal "crítica" ou qualquer outra seção da revista. Passei dessa fase masoquista, de ler só para "garrar" ódio. Talvez, quem sabe, um dia, numa sala de espera qualquer, se cair na mão, eu dê uma olhada. Pela reação que causou em alguns dos maiores talentos e das inteligências mais aguçadas do nosso tempo (o Bortolotto teve a pachorra de fazer um roteiro de textos lá no blog dele) dá para saber que não foi uma crítica de gente honesta, decente e trabalhadora. Só para não ficar barato e esse pessoal ainda mais espaçoso, aqui vai uma colaboração, minha e do Thadeu, sobre esse assunto:

Abaixo da crítica:
o que é que há, bicho?


Reflexões na sala de espera do hospício
cercado de cadernos 2 por todos os lados.

há os de barbicha de mágico de mafuá
quando entram na entrevista
falando pelos cotovelos

- quem lhes decifra os garranchos ?


há os que dão cotoveladas de amor
há os que ajoelhou tem que resenhar
carolas coronários do normal

- quem lhes ouve a ladainha ?


há os que se escrevem de bruços
pra justificar o dialeto
de seus amigos diletos

- quem lhes aplaude a tolice ?


há os que acertaram um dia
ao pegar de susto
e até hoje tiram o sono dos justos

- quem lhes publica a insônia ?


há os zagueiros violentos
que levantam sepulturas com seus podres
sem conseguir abrir mão do osso

- quem lhes rói os traumas ?


há, principalmente, os impublicáveis,
hienas aplaudindo a volta da carniça
que dá vida e graça às suas claques

- quem lhes fareja a sabujice ?


e há, ainda, os balões de ensaio,
egos inflados por prisão de ventre,
digerindo os cheiros do passado heróico

- quem lhes conta a verdade ?


(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

quarta-feira, março 01, 2006

O desafio de Issa e seus aquilos

Issa e Seus Aquilos é nome do livro que eu e o Antonio Thadeu Wojciechowski estamos preparando há uma boa década, com livres adaptações de poemas do japonês Kobayashi Issa (1763/1827). A Alice Ruiz e o Paulo Leminski fizeram algumas das mais brilhantes traduções para o português da obra do mestre do haicai. Por exemplo:

escrevam aqui
amava haicai
e caqui


O Millôr Fernandes, o Guilherme de Almeida e a Olga Savary também andaram mexendo no vespeiro do japonês. Por essas e por muitas outras que é preciso uma boa dose de coragem, irresponsabilidade, cara de pau e doideira braba para entrar nessa seara. Justamente o que não nos falta. Metemos a mão na massa. Com muito respeito, é claro, pois, sem ele, você morre atropelado pelo carrinho de sorveteiro - como nos ensinou Nelson Rodrigues.

Mas, antes de conhecer algumas livre-adaptações minhas e do Thadeu, extraídas do livro Issa e seus aquilos, vai um original do Issa e a tradução em inglês. Como ficaria no idioma de Marcos Prado, Paulo Leminski e Torquato Neto? Sugestões para a caixa de comentários.




Gimme that moon!
cries the crying
child

(Tradução de David G. Lananoue)




o mendigo olha

e reconhecendo-me

devolve a esmola

Kobayashi Issa (livre adaptação de Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)




lua da montanha

ilumina também a mim

o ladrão de flores


Kobayashi Issa (livre adaptação de Roberto Prado)



sombras amigas

nas asas das borboletas

minhas outras vidas

Kobayashi Issa (livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski)



crisântemos

sobre o monte de estrume

um só perfume

Kobayashi Issa (livre adaptação de Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)



a neve mexe

no calor das crianças

a aldeia se derrete

Kobayashi Issa (livre adaptação de Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)



terça-feira, fevereiro 28, 2006

As aventuras de Adriano Sátiro ou Quem avisa não vai pelos outros

Eu já disse a vocês que o Adriano Sátiro, além de debulhar diversos instrumentos musicais, também sabe mineirar palavras, comendo quieto, pelas beiradas, o mingau fervente da poesia. Pois aí vai uma pequena amostra. De quebra, umas fotos, para vocês recortarem, ligando os textos à figura. E para que vocês se convençam, definitivamente, que o Sátiro não é apenas um rostinho bonito.


Adriano Sátiro debulhando uma guitarra indefesa.

a nata está em festa
e nem é fim de ano

reunidos em sete
palmas
comemoram a pena
do décimo-segundo arcano

pobre de quem ri primeiro
porque o vigésimo vem
com o décimo-terceiro

(Adriano Sátiro)


Los cuatro amigos: Arrigo Barnabé, Osvaldo Rios, Adriano Sátiro e Carlos Careqa agradecem a atenção dispensada. Alta concentração de talento por m².


tempesta:

o galho balança


o pássaro

incerto

pousa de asas abertas

na firmeza do vento


(Adriano Sátiro)



edson x blackout


dá-lhe castiçal

castiga

enquanto

luz que liga

versus

vela antiga

em versos

levo a briga


(Adriano Sátiro)


mãos aos alto


as mãos voltadas

para cima

esperam algo

de mim


lá existe um céu

e um tanto de anjos


esse amontoado

de vazio


é apenas pra você

ficar cheio de mim

(Adriano Sátiro)

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Eu sou um poeta legal, agora só falta convencer a minha mãe.

Essa é minha mãe, a dona Nadyr do Prado de Oliveira, vestida com o seu velho manto sagrado. Esses dias fui visitá-la e a encontrei detonando um ameaçador tijolo de mil páginas do Harold Bloom. E ela sempre foi assim. Mente ágil e curiosa, fortalecida pelo halterofilismo vivencial de criar 7 filhos sozinha e sem um tostão. E haja fosfato para acompanhar a Dona Nadyr. Nunca esqueço que, quando criança, nos famosos festivais de música, ela ensinava a gente que bom mesmo era o Jards Macalé em Gotham City, Raul Seixas em Let me sing e Walter Franco em Cabeça. Kafka, Sartre, Cortázar, Borges, Cervantes são apenas alguns exemplos do que eram os nossos livros infantis. Mas o que eu quero dizer mesmo é que ela sempre foi o primeiro controle de qualidade dos Prado, antes de nossas gracinhas irem para a rua. Eu e o Marcos Prado, quando alguém elogiava demais os nossos textos, sempre dizíamos: - "Eu escrevo bem. O duro é convencer a minha mãe". As pessoas que não conhecem os modos da dona Nadyr podem até achar que isso é literatura. Mas não, é vida. Uma vida cheia de vidas.

domingo, fevereiro 26, 2006

Chora sorrindo, olha pra nada

Nesta foto a minha filha me pegou em flagrante rindo sozinho, fato que eu negava, para não dar o que falar e também para ficar sossegado no meu canto. Isso acontece de vez em quando e agora existe essa prova material. Mas acontece não por problemas nos neurônios e nem porque eu relembre a piada do mexicano que entra de chapéu na igreja. Geralmente rio de satisfação ao lembrar de alguém ou alguma coisa muito bacana. Uma pessoa, um verso, uma música, uma atitude. Repentinamente, o mundo deixa de ser tão mal quanto aparenta. Quer um exemplo? Leia o poema que o Adriano Sátiro me mandou. E se você me encontrar rindo por aí nos próximos anos, não me interne, ainda não. Pode não ser culpa minha, mas de algum amigo. Como o Adriano, por exemplo.


volta ao batuque

(adriano sátiro)


hoje o beco me deixou sem saída
agradecido me vi obrigado a dar meia-volta
numa reviravolta de minha vida
que eu não sabia nem me dava conta
mas andava meio mal resolvida

acontece que há muito tempo
me despedi das palavras velhas companheiras
por achar que nelas já não achava graça
nem serventia quem dirá olheiras
só os acordes me acordavam
só as notas me notavam
tal qual a nona do beethoven
que já se encontra meio velhinha
eu só tinha ouvidos para a música
e andava surdo pra poesia

mas a escrita é santa e as palavras são sábias
as abandonei mas elas não a mim
ficaram me aguardando no amigo beco
e sem lançar mão de manhas nem de lábia
usando apenas de seu honesto fim
sabendo que este eu parado
mesmo demorado um dia passaria
aproveitaram o ensejo e de bom grado
me devolveram através do prado
o mais profundo amor pela poesia