Eu e meus amigos fizemos algumas-diversas traduções. Uma delas é essa aí de cima, de 1985, com magistral caligrafia do
Osvaldo Miran (que fez também a direção de arte e ainda bancou a edição). Era um pôster com a nossa tradução do O Corvo, do Edgard Allan Poe. Ela começava assim:
O corvo
Num dia desses,
no exato minuto do último instante,
eu, bêbado como sempre,
num sonho de escriba extravagante,
delirava às vezes demais.
Daquele gélido julho
não vou esquecer jamais.
Eu, matando saudades da morta,
sugava do litro e de um livro,
que já não idolatro mais.
(Edgard Allan Poe - livre adaptação de Roberto Prado, Marcos Prado, Antonio Thadeu Wojciechowski e Edilson Del Grossi)E por aí ia. Quem quiser ler o poema inteiro é só
clicar aqui. Alguns anos mais tarde essa versão d'O Corvo foi incluída num belo livro de uma editora paulista, em edição trilíngüe, junto com as traduções do corvão feitas por Baudelaire, Fernando Pessoa, Machado de Assis e outros tantos. Saiu também no livro
Os Catalépticos (que inspirou o nome da banda curitibana-internacional com link logo acima), junto com outras traduções (Dante, Yeats, Rimbaud, Mickiewicz, Camões, Shakespeare, Baudelaire).
Charles Baudelaire foi um caso à parte. Pretendíamos traduzir todo o livro
As Flores do Mal. Doce ilusão: de quase 400 textos traduzimos dois (e no pau da goiabeira). Para um trabalho desses precisaríamos ficar anos em tempo integral, sustentados por alguma editora maluca, depenando a alma. Os poemas que conseguimos traduzir foram
A alma do vinho e este outro aqui:
O vinho dos amantes
indo belo lindo um dia todo sim
é proibido proibir que tenha fim
bebo o vinho mel, divino néctar,
o céu ainda por cima parece concordar
um par de arcanjos, que figuras!
ambos puros artífices das alturas
eu e a taça, vinhetas da paisagem
o vinho volta à uva, eu, à miragem
no embalo dos tragos a terra gira
mecanismos de um turbilhão inteligente
que tudo ouve sabe vê e só delira
o paraíso já era aqui e paralelamente
em outro entramos, agora como um só
ic! epa! ops! rum... rum... ã? ó!
(Charles Baudelaire - livre adaptação de Roberto Prado, Marcos Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)Curiosamente, este poema acabou virando letra de duas belíssimas canções, uma do
Beto Trindade e outra do
Walmor Góes. A versão do Walmor foi gravada pelo Thadeu para o CD
Wojciechowski, que foi lançada no CD Wojciechowski, do
polaco da barreirinha).
E agora vocês me perguntam, e com toda a razão: e o
Édison José da Costa, o que tem com tudo isso? Muito tudo. Pois ele, professor da
UFPR, nos deu o privilégio e a honra de fazer parte de um dos mais sérios, corajosos e brilhantes ensaios literários já publicado por estas redondezas.
Sério, porque fez uma pesquisa minuciosa e traçou paralelos entre as nossas traduções, justamente as do Baudelaire, com as realizadas pelos tradutores simbolistas do século XIX e ainda fez outras investigações, sem chutes.
Corajoso, por usar como base para um estudo publicado em tradicional revista acadêmica, a
Letras, o trabalho de poetas talvez um tantinho andrajosos para os padrões da intelectualidade nativa. E
brilhante porque pegou a veia, na descoberta, no conceito, no raciocínio e na defesa. Se eu fosse curioso como vocês eu dava uma olhada nesta matéria do
Édison José da Costa. A
revista Letras nº 51 deve estar disponível nas bibliotecas universitárias por aí, ou no próprio Departamento de Letras da Federal do Paraná.
E para fechar com chave de ouro, uma tradução do Rimbaud de tirar o chapéu (pois o cérebro pula de alegria). E a promessa de lançar o mais breve possível o livro
Presença de Espíritos, só com coisas legais traduzidas com alma, de poeta para poeta.
Poema de Arthur Rimbaud
no inverno, rosa, combinaremos
num vagãozinho com almofadas azuis
- um ninho só de cantos macios -
iremos e no bem estar estaremos
para não ver fecharás o olho
pela janela as caretas feias
essas mosntruosidades horrendas
negros demônios e negros lobos
e sentirás a face arranhada
um beijinho feito aranha desvairada
correrá pelo teu pescoço, minha cara
e dirás, "procure" inclinando a cabeça
todo o tempo do mundo à cata
desse bichinho que viaja depressa
(Arthur Rimbaud - livre adaptação de Marcos Prado e Sérgio Viralobos)