sexta-feira, dezembro 22, 2006

Um poema aprovado pela minha mãe

Dona Nadyr e eu relembrando os bons tempos do rádio mudo.

Dia da criança

num lar ao léu onde chorar é a lei
alguém vagava pelas ruas do Brasil
vinha com saudades do Casimiro de Abreu
aurora da vida, imensa pátria sem pai

alguma coisa ali voltava aos trilhos
um calor carinho vindo de longe

pôs um novo menino entre meus filhos

com um sorriso não sei de onde

foi ali, na hora em que o céu era todo seu,
que eu acariciei meus cabelos por você

foi só ali, pai, que me adotei

e aí foi que senti, só, que só faltava eu

(Roberto Prado)


Outra coisa: dêem uma espiada no texto do Bortolotto sobre o Natal, Um presépio pra alimentar o incêndio

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Eu e a guerra de símios

Aí, macacada: o número 54 da revista Idéias, da Travessa dos Editores, saiu com esse texto, que versa, entre outras coisas, da minha reconhecida incompetência na arte do arremesso de fezes. E já tem outro engatilhado, para o número 56, com o singelo título de "Lamentações de um coitadinho subtropical", que deve estourar semana que vem nas bancas. Vejam lá.




Apela para a ignorância
o ser de alma macaca


Eu estava matutando cá com meus botões. Mas, como a roupa que uso não tem botão coisa nenhuma, garrei a imaginar se não somos todos um pouco responsáveis pela preservação das obras geniais que cruzam nosso caminho, tanto quanto pelo ar, pela água, pelas plantas, pelos bichos. Confesso a você – e peço que espalhe – que senti um tantinho de culpa ao verificar a degradação do habitat literário, a imundície jogada na terceira margem do rio, a asfixiante psicosfera que paira sobre a nação zumbi. O frágil ecossistema intelectual nativo virou atoleiro e, nesse brejo das almas, é natural que os tímidos pandas se recolham à sua extinção e os mosquitos da malária reinem absolutos. A gente deste século, assombrada, vê as últimas reservas cercadas de símios, esses sim, sempre dispostos a bater no peito, arremessar fezes e urinar nos cantos para demarcar seus territórios.

Agora chega desta ladainha: vamos empunhar as bordunas do espírito e defender a biodiversidade humana. Com muito respeito, é claro, pois sem ele você morre atropelado pelo carrinho de sorveteiro - como nos ensinou Nelson Rodrigues. Para começo de conversa, fim de papo, como disse o Marcos Prado: se eu, que sou eu, de vez em quando coloca um pouco de oxigênio nesta mistura, você, que é muito mais esperto, certamente será capaz de colocar muito mais. A primeira lufada de ar fresco, perfumado de araucária, eu mandei vir do Jamil Snege: “Já inspecionei a proa, / amarrei a carga, / desatei a vela. / O vento sopra forte / e enfuna meu coração de alegria. / Agora é contigo, Senhor. / Toma o leme / e risca o rumo do meu barco / - não penses que irei por este mar sozinho.” E de Minas Gerais, para as emergências asmáticas da vida, carrego sempre comigo uma bombinha de Affonso Ávila e o ar de sua graça: “dentro da faixa / fora do perigo / dentro da fauna / fora do perigo / dentro da farsa / fora do perigo / dentro do falso / fora do perigo / dentro do fácil / fora do perigo.” No meio do caminho tinha um Bertolt Brecht e com ele, respirando fundo, a gente aprende que o Brasil é lá e a Alemanha é aqui: “Sento na beira da estrada / Enquanto o motorista troca a roda. / Não gosto do lugar de onde venho. / Não gosto do lugar para onde vou. / Então por que espero essa troca de roda / Com tanta impaciência?” Você, que conhece a alma humana, já deve imaginar que, na maior tempestade, esse alemão um dia acabaria dizendo algo assim: “Fora essa estrelinha apagada, pensei, / Não temos nada / E ela está toda suja e devastada / Ela é nossa casa, / Nossa única casa / E olhe só o estado da coitada.” Da água corrente de uma montanha do Japão veio o Kobayashi Issa, para refrescar nossa pobre alminha com coisas como “o mendigo olha / e reconhecendo-me / devolve a esmola “ e molhar nossos olhos com uma alegria quase extinta: “a neve mexe / no calor das crianças / a aldeia se derrete”.

Bem, isso já é um começo. Agora é com você. Mas eu já vou avisando que participar dessa cruzada pela melhoria da atmosfera mental do país é arrumar para a cabecinha e encarar a ira da massa ensandecida (procedimento que eu sugiro seja realizado com bom humor, malícia e precisão). Portanto, nada de reclamações. A batalha é inglória para quem procura sarna para coçar, chifre em cavalo, cabelo em ovo – coisas que, muitas vezes, achará. Mas, em plena desgrama, garanto que, de vez em quando, ouvirá o Domingos Pellegrini, direto do seu sítio: “Cadê os chinelos / aquele sonho cadê / vou procurar de joelhos / assim já estou pronto para agradecer.”

Leia, espalhe e preserve o que é bom. Numa dessas você encontra por aí, soprando com o vento pelas ruas de Curitiba, os mestres Marcos Prado e Márcio Cobaia Goedert no exato momento em que flagaram e eternizaram um simples freqüentador da birosca de uma periferia qualquer: “o velho e o bar // o velhinho é a alma do negócio / deixa a nota amassada e sai catando cavaco / pensou que via o carlos drummond de andrade / mas era uma valeta no meio do caminho / o pau d’água mergulhou na areia movediça / transformando-se no monstro do pântano”.

E mais não digo, pois os meus botões preferiram guardar a boca pra comer farinha.


(Roberto Prado)


Notas:
1) “Apela para a ignorância o ser de alma macaca” - verso emprestado do poema “Todos os lugares a deus” de Marcos Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski. 2) Poemas de Bertolt Brecht – versão brasileira: Roberto Prado. 3)
Poemas de Kobayashi Issa – versão brasileira: Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Criatura memória

nossa senhora das minhas musas
minha angelical divina fada
que a treva bata em sua trave
antes da batalha ser travada

sopre sua brisa, diva santa elegância
relevo morno, enlevo doce, leite, úmida alvorada
me leve logo para que eu não esqueça
como essa vida é difícil de ser lembrada

(Roberto Prado)