Reynaldo Jardim, sempre aprontado das suas, agora no Rio.Esses dias o Sérgio Viralobos sugeriu que eu falasse aqui da importância da passagem do poeta
Reynaldo Jardim por Curitiba. Achei legal a idéia. Eu não seria a criatura mais indicada para falar do assunto. Tive pouco contato com ele. Lembro de uma vez, no Teatro Paiol. Rolava um encontro de poetas, para o qual fui literalmente arrastado por não me lembro quem. O papo estava magérrimo. Ai o Reynaldo pega o microfone e joga a isca, muito sério:
"- Nenhum poema nos últimos 50 anos têm a qualidade de qualquer um do Camões." E incendiou a conversa. Na saída, voltei de carona no mesmo táxi que ele, que ria muito dos efeitos da sua frase e de algumas reações exageradas. O cara foi diretor de um jornal e de um órgão oficial de cultura que fez funcionar muito bem. Sei também que o Reynaldo editou a revista/jornal
Pólo Cultural, onde saiu coisa muito interessante. A média era legal, circulou fora do Paraná e até em outros países. Foi uma época de efervescência. Dava a impressão, às vezes, que tudo ia dar certo. E o
Reynaldo Jardim fez parte desse caldo de cultura maluco.
O
Beto Trindade, diretamente de Londres, mandou um texto falando desse período e lembrando de contatos imediatos com o Jardim. E diz que o
José Buffo teria muito mais a dizer sobre a passagem do escritor por estas bandas. E aí, Buffo, que tal ajudar a remontar essa história?
Beto Trindade, à direita, sem cigarro e sem bigode. À esquerda, de suspensáorios, Antonio Thadeu Wojciehowski. E aí vai o texto do Beto Trindade. No começo dos anos 80 antes do advento do rock mauricinho, podia-se andar pela rua carregando um violão e cantando sem ser chamado de hippie. Eu e a Família Buty King fazíamos parte de um bando que se encontrava em lugares diversos, trocávamos idéias, cantávamos, consumíamos drogas e álcool e fazíamos exibições públicas de talento performático, fosse qual fosse. Faziam parte dessa extensa gang gente como o Rodrigo Barros, o Ferreira, o Belmiro Pato, o Luís Cláudio violoncelista, a Andreinha, o Zé Buffo, o Joaquim, o Renato, o Sérgio Viralobos e outros.
O Buffo organizava coisas como o que hoje se chama de Flashmob, combina-se um lugar e uma hora e todos aparecem lá vestidos de uma certa maneira e durante um minuto ou dois fazem algo inusitado como por exemplo levantar um braço e gritar "auíca". Essa eu inventei agora mas houve várias que eu não me lembro direito. Pergunte ao Rodrigo. (Nota: Rodrigo Barros, cantor e compositor dos grupos Beijo aa Força e Maxixe Machine.)
Uma das facções dessa extensa gang chamava-se Anarte. Me lembro quando eles andavam pelas ruas carregando um caixão e distribuindo panfletos dizendo "A Arte Não Vale Um Gato Morto". Uma vez invadiram um bate-papo dos estudantes do Teatro Guaíra com o Paulo Autran e o velho ator ao ler a blasfêmia disse "só podem ser malucos". Certíssimo.
Eu, além de estudar no Guaíra, fazia parte de um grupo de mímica chamado Gestus, que também fazia barbaridades na rua e invadia exposições e vernissages. As vezes um de nós ficava num canto da exposição com uma fronha na cabeça, noutras enchíamos a boca de salgadinhos e conversavámos coisas ininteligíveis em voz muito alta. Com o tempo os artistas plásticos e até diretores de teatro começaram a nos convidar para intervir nas suas exposições e peças. Nós nos encontrávamos todos os dias no Solar do Barão para ensaiar e inventar sketches. A Fucucu (nota: Fundação Cultural de Curitiba) nos convidava pra animar os seus eventos e assim por diante.
Todo esse profissionalismo e seriedade (he he) chamou a atenção do Reynaldo Jardim, na época diretor do Museu da Imagem e do Som. Tinha no seu currículo o Caderno B do Jornal do Brasil, que ele havia fundado, primeiro caderno de artes de qualquer jornal no Brasil. Era o típico gente boa, direto, sem ares nem frescura e tinha uma barbona branca e densa que lhe dava um aspecto peculiar e perfeito pra ser nosso aliado e padrinho. Ele se aproximou de nós e ofereceu o museu pra gente ensaiar.
Nós praticamente passamos a viver lá. Ele mandou derrubar o seu escritório que era enorme para aumentar o nosso espaço e mudou-se para uma saletinha nos fundos. Mandou colocar uma cortina no meio do salão principal e nos pediu para organizar quartas-feiras abertas onde gente talentosa se apresentava. Tudo isso regado a pipoca e sei lá mais o que.
Nossos amigos passavam lá todos os dias, compúnhamos canções e planejávamos outras diversões. Numa dessas surgiu a idéia da Contrabanda e também de uma Orquestra Anti-harmônica Fila Bóia que nunca se concretizou.
Foi uma maravilha enquanto durou. Posso estar me confundindo um pouco na cronologia, mas acho que tudo desmanchou-se em 1982 ou 3. Um novo governo tomou conta com uma política de forçar arte goela abaixo do povo, ressuscitar o teatro profissional curitibano com montagens oficiais e matar o teatro amador e alternativo. Colocaram um cara que era ex-diretor da prisão Queiroz Filho no lugar do Reinaldo e nós ficamos sem teto.
Eu fui pra Porto Alegre.
A última que eu soube do Reynaldo (e já faz tempo) é que ele estava em Brasília num canal de televisão.
(Beto Trindade, de Londres, março de 2006)