sexta-feira, março 17, 2006
Quem tem coração não perde a memória
o que aprendi com os amigos
não reneguei nem esqueci
não me acho o melhor dos vivos
até hoje, que eu saiba, não morri
aprendi, sim, e com maestria
dos todos que até hoje encontrei
o amor pelo que chamam poesia
que é hoje tudo que tenho e sei
imaginei-me ontem o pior de todos
porque almejo algo acima do solo
como se em meu cérebro eletrodos
jogassem dos 34 anos para o colo
hoje, porém, nascendo o dia azul
olhei pela janela e tudo amarelo –
havia em mim uma espécie de exul
aos amigos, à poesia, ao belo
Marcos Prado (1962-1997)
destróia
pedra que sobre pedra quer restar
o que eu sou não é mole desmanchar
implosões, marretadas e de quebra
um novo shopping center no lugar
nasci assim, fico sem jeito de morrer
vai a alma, o corpo ainda quer ser
e debaixo de uma outra civilização
bate o coração, ruína dura de roer
Roberto Prado
quarta-feira, março 15, 2006
Beto Trindade e Reynaldo Jardim: o tempo em que tudo ia dar certo
Esses dias o Sérgio Viralobos sugeriu que eu falasse aqui da importância da passagem do poeta Reynaldo Jardim por Curitiba. Achei legal a idéia. Eu não seria a criatura mais indicada para falar do assunto. Tive pouco contato com ele. Lembro de uma vez, no Teatro Paiol. Rolava um encontro de poetas, para o qual fui literalmente arrastado por não me lembro quem. O papo estava magérrimo. Ai o Reynaldo pega o microfone e joga a isca, muito sério: "- Nenhum poema nos últimos 50 anos têm a qualidade de qualquer um do Camões." E incendiou a conversa. Na saída, voltei de carona no mesmo táxi que ele, que ria muito dos efeitos da sua frase e de algumas reações exageradas. O cara foi diretor de um jornal e de um órgão oficial de cultura que fez funcionar muito bem. Sei também que o Reynaldo editou a revista/jornal Pólo Cultural, onde saiu coisa muito interessante. A média era legal, circulou fora do Paraná e até em outros países. Foi uma época de efervescência. Dava a impressão, às vezes, que tudo ia dar certo. E o Reynaldo Jardim fez parte desse caldo de cultura maluco.
O Beto Trindade, diretamente de Londres, mandou um texto falando desse período e lembrando de contatos imediatos com o Jardim. E diz que o José Buffo teria muito mais a dizer sobre a passagem do escritor por estas bandas. E aí, Buffo, que tal ajudar a remontar essa história?
E aí vai o texto do Beto Trindade.
No começo dos anos 80 antes do advento do rock mauricinho, podia-se andar pela rua carregando um violão e cantando sem ser chamado de hippie. Eu e a Família Buty King fazíamos parte de um bando que se encontrava em lugares diversos, trocávamos idéias, cantávamos, consumíamos drogas e álcool e fazíamos exibições públicas de talento performático, fosse qual fosse. Faziam parte dessa extensa gang gente como o Rodrigo Barros, o Ferreira, o Belmiro Pato, o Luís Cláudio violoncelista, a Andreinha, o Zé Buffo, o Joaquim, o Renato, o Sérgio Viralobos e outros.
O Buffo organizava coisas
A última que eu soube do Reynaldo (e já faz tempo) é que ele estava em Brasília num canal de televisão.
segunda-feira, março 13, 2006
Chuang Tse, humorista e profeta do Tao
Você pode até nunca ter ouvido falar de Chuang Tse. Mas já deve ter escutado uma canção em sua homenagem. Ele foi autor do famoso texto que fala no “sábio chinês que sonhou que era uma borboleta, acordou e já não sabia se era um sábio chinês que sonhou que era uma borboleta ou se era uma borboleta sonhando que era um sábio chinês”, musicado 2300 anos depois por Raul Seixas. O cara era um demolidor. Confira, logo abaixo, um pouco da sutileza de Chuangtse, o São Paulo de Lao Tse:
Abrindo os cofres ou Um protesto contra a civilização
A precaução tomada contra ladrões que abrem cofres, examinam sacolas ou saqueiam gavetas, consiste em mantê-los com cordas e trancá-los com fechos e cadeados. É a isso que o mundo chama de sagacidade.
Porém, chega um ladrão musculoso e leva a gaveta nos ombros, com o baú e a sacola, e foge, levando tudo nas costas. Seu único receio é que as cordas, fechos e cadeados não sejam bastante fortes.
Por conseguinte, o que o mundo chama de sagacidade não é simplesmente assegurar as coisas para um ladrão musculoso? E atrevo-me a afirmar que nada daquilo que o mundo chama de sagacidade é outra coisa senão poupar para os ladrões fortes. E nada do que o mundo chama de prudência é outra coisa senão entesourar para os ladrões fortes.
Texto de Chuang Tsé, escrito quase 300 anos antes de Cristo.