domingo, maio 09, 2010

Dez bilhões de dólares pelo seu pensamento.


Mixaria atrai mixaria na razão direta da falta de massa cinzenta. Estamos aprendendo da maneira mais difícil – levando chibata no lombo – esta equação do capitalismo do Século XX, que virou lei no XXI e que colocou o pensamento definitivamente no topo da cadeia alimentar. Como já diziam os nossos antigos (que, aliás, também eram umas antas): quando a cabeça não pensa o corpo padece. E agora, infelizmente, o que restou para países com o Brasil, onde o dinheiro empaca nas mãos de uma elite de jericos, foi o dignificante papel de puxar carroças. Ou cavoucar a terra como um bando de toupeiras, envenenando os rios, detonando as florestas, inviabilizando as pequenas cidades, amontoando a população em vergonhosas malocas e tudo isso em troca do que? De mixaria.

Nós, eternamente cafetinando plantinhas indefesas?

Ora direis que plantar soja é importante e eu vos direi no entanto que nem cobrindo toda a extensão do país com dois andares de lavoura o Brasil conseguirá faturar o lucro anual de apenas uma (eu disse: uma!) empresa do EUA, a Microsof, por exemplo. Vamos pensar juntos. Há muito já se desconfiava que cultivar vegetais e fabricar objetos para vender ao estrangeiro não daria mais camisa a nenhum país que se preze. No máximo, estas atividades hoje sustentam um punhado de capatazes locais das corporações sediadas em nações capazes de produzir ideias, conceitos e marcas. Quer uma prova concreta? Basta dar uma olhada no seu extrato bancário para você se convencer, da pior forma, que todo o restante da população de países como o Brasil fica, literalmente, a ver navios: navios de minério de ferro navegando para a China e navios de grãos que, vocês sabem, vão virar ração para engordar os porcos capitalistas.

Um gigolô em cada porto.

E por falar nisso, recentemente, um dos maiores terminais exportadores do Brasil, o Porto de Paranaguá, festejou a marca de U$ 10 bilhões em movimentação de cargas, no período de um ano. Maravilha. Isso é pouco? É muito? Confesso que a minha mente poluída de tostões tem certa dificuldade em processar tantos zeros. Mas dá para comparar: sabemos, com certeza, que essa quantia é quase o mesmo valor envolvido na venda da firma de desenhos animados do Steve Jobs, a Pixar, para os Estúdios Disney. E olha que as duas empresas não precisaram escravizar metade dos EUA e endividar a outra para movimentar esse dinheiro. Já pensou?


O meu, o seu, o nosso orgulho de produtor.


E antes de ser atropelado por uma colheitadeira-bomba ou soterrado por contêineres suicidas, deixo bem claro que nada tenho contra a nossa pujante atividade agrícola. Plantar sempre foi e sempre será uma excelente forma de engrandecer a nação – desde que a safra seja saboreada pelos compatriotas e apenas os excedentes sejam exportados, de preferência processados de alguma maneira que os faça valer dinheiro de verdade. Se você parar para pensar vai chegar à conclusão que o atual modelo brasileiro, essa tal da “agricultura capitalista de modelo exportador”, além de não ter futuro, gera um presente muito triste. E o passado? Bem, basta lembrar que o Brasil, durante o ciclo da monocultura da cana-de-açúcar, teve, durante quase cem anos, uma renda per capita superior à da Inglaterra (a dona do mundo, então). Noves fora, zero: ao final da farra, acabamos devendo até as calças para esse mesmo Reino Unido.

Trezentos anos depois, a história se repete, bastando trocar o leão inglês pela águia norte-americana no topo da cadeia alimentar. Claro, estamos todos desculpados, três séculos é um período curto, não deu tempo para pensar direito no assunto. Estávamos muito ocupados dando terrenos, isenções e gente que recebe baixos salários para incentivar a montagem do “nosso” parque industrial. E hoje, num mundo que gira em torno de conceitos, continuamos oferecendo produtos e recebendo em troca a mixaria que a margem de lucro do novo capitalismo reserva para gente como nós. E ainda lutamos, suamos a camisa, rezamos, vendemos a alma, suplicamos a Deus e todo o mundo, mendigamos pelo planeta para que, por misericórdia, reduzam as barreiras alfandegárias, sanitárias e fiscais. Bem feito, quem mandou não estudar? Diriam novamente nossos antepassados, burros e metidos à besta.


É preciso pagar para – talvez, quem sabe, um dia – ver.


Vamos pensar juntos. Claro que podemos virar esse jogo, ou, pelo menos, reduzir a diferença dessa goleada histórica, simplesmente investindo em ideias. E não estamos falando aqui em abrir uma estatal, fazer concurso e trancar pessoas supostamente inteligentes em repartições públicas com a obrigação de “ter ideias”. Ou de lançar os programas “Pensa Brasil” e “Burrice Zero”. Os países de “primeiro mundo” já inventaram uma fórmula genial para criar um ambiente propício a bons pensamentos: pagar salários decentes e não se meter na vida das pessoas. Uma coisa muito simples, que faz o dinheiro circular, esquenta os traseiros dos que estão sentados sobre cofres ociosos, enfim, redistribui um pouco melhor a mixaria. É quase certo que, em se aplicando este revolucionário método gerencial, importado da Europa, EUA e Japão, o nosso poder de raciocínio médio melhore rapidinho. E os César Lattes, Newton Freire-Maia, Paulo Leminski, Jamil Snege e Marcos Prado do futuro (isso só para ficar em alguns exemplos paranaenses) mesmo que continuem sendo considerados estranhos no ninho, serão deixados em paz nos seus cantos, pois renderão bilhões de dólares por cabeça, em benefício do País, inclusive os menos dotados de neurônios, como eu e você.

Morrendo de medo do escorpião no bolso.

Mas existe aí um pequeno probleminha. Isso de investir em “ideias” nem sequer passa pelo pensamento dos nossos governos ou da brava elite que se beneficia com a mixaria que rende a venda em estado bruto do país. Ganhar dinheiro com ideias? Só para imaginar já dá muito trabalho. Pensar é caro demais. Raciocinar é custoso. Pesquisar é demorado. Conviver com pessoas inteligentes é um perigo. Ler dá dor de cabeça. Pagar bem e dar às novas gerações um tempinho livre para inventar alguma coisa que preste dá câncer na próstata. Pagar um tostão pelo seu pensamento? Nem pensar.

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Abrindo os cofres, ou um protesto contra a civilização.

"A precaução tomada contra ladrões que abrem cofres, examinam sacolas ou saqueiam gavetas, consiste em mantê-los com cordas e trancá-los com fechos e cadeados. É a isso que o mundo chama de sagacidade. Porém, chega um ladrão musculoso e leva a gaveta nos ombros, com o baú e a sacola, e foge, levando tudo nas costas. Seu único receio é que as cordas, fechos e cadeados não sejam bastante fortes. Por conseguinte, o que o mundo chama de sagacidade não é simplesmente assegurar as coisas para um ladrão musculoso? E atrevo-me a afirmar que nada daquilo que o mundo chama de sagacidade é outra coisa senão poupar para os ladrões fortes. E nada do que o mundo chama de prudência é outra coisa senão entesourar para os ladrões fortes.”

Texto do chinês Chuang Tsé, escrito quase 300 anos antes de Cristo, tradução de Marques Rebelo.