sábado, abril 17, 2010

Bob Dylan e Allen Ginsberg sete palmos acima do chão

Foto de Ken Regan (obrigado pela bronca, Ivan Justen, procurei e achei o autor do flagrante histórico)

Bob Dylan e Allen Ginsberg no túmulo do Jack Kerouac. A foto é roubada do blog Espelunca, do grande Ademir Assunção. O caminho para esta e outras preciosidades gráficas e textuais é este: http://zonabranca.blog.uol.com.br/

Na matéria que acompanha a foto ele fala dos diversos mundos reais e virtuais. Faço eco e ouso acrescentar: - Que o silício nos seja leve!

Vão lá e digam que fui eu que mandei para ver se ele perdoa o afano.

(Roberto Prado)

PS.: Alguns acham que não se deve modificar um post, que é histórico, como uma foto não fotochopada ou a página de um livro. Mas, neste caso, tenho explicações: não estou excluindo nada para incluir o que segue abaixo. É que o meu blog e o do Ivan Justen sincronizaram em um personagem da foto, na mesma data. Então, segue a tradução da letra do Dylan, para seu deleite. (RP)

Como Uma Pedra Rolante

era uma vez
você vestida de xadrez
mão de vaca pros mendigos
sendo eleita a miss do mês
diga?!

todo o povo já xaveca
"te cuida aí, boneca,
tua caranga um dia breca"
você achava isso meleca
inveja das amigas

você só

gargalhava
das pessoas
suas escravas
e agora a sua voz sumiu
e agora o seu tom vazio
vem naquela velha fala
que está na batalha
pelo próximo filé

como é que é
como é que é
ser sem terra em transe
completamente mutante
como uma pedra rolante

você foi aluna
da melhor escola
Senhorita Solitária
contudo já não cola
você sabe só ficava lá
enchendo a cara

ninguém nunca mostrou
como viver longe do lar
e agora você vê que vai ter
que se acostumar a

você sempre dizia
que jamais se renderia
pro malaco misterioso
e agora você nem pia
vê que ele não vende
qualquer guia
e sob os olhos vazios
você somente espia
perguntando sobre o trato
quanto você quer

como é que é
como é que é
ser sem terra em transe
não ter caminho adiante
completamente mutante
como uma pedra rolante

você nunca olhou em volta
pra notar a cara torta
dos palhaços da patota
quando vinham fazer

truques pra você

nunca compreendeu
que não fez o seu
e não tinha um Romeu
pra Julieta que você quis ser

você cavalgava um hipocromo
com o seu diplomata
o qual levava nos ombros
uma gata acrobata

e agora você percebe
como a vida é ingrata
não tinha selo ou moeda
aquele numismata
que levou de você tudo que pôde
até mesmo a fé

como é que é
como é que é
ser sem terra em transe
não ter caminho adiante
completamente mutante
como uma pedra rolante

a princesa está na torre
e o povo lindo quase morre
nesta festa bebe e pensa
que se garantiu por cima

vai trocando todo o tipo
de presentes e coisinhas
mas segure o bracelete
e empenhe logo a sua joia, mina

você costumava
ficar tão encantada
com o Napoleão dos farrapos
e as frases que ele usava

vá pra ele agora

compareça à sua chamada
quando você não tem nada

você não tem nada a perder
você é invisível agora
não restou nenhum segredo em pé

como é que é
como é que é
ser sem terra em transe
não ter caminho adiante
completamente mutante
como uma pedra rolante



(Like a Rolling Stone,

de Bob Dylan,
em versão brasileira de

Ivan Justen Santana)

sexta-feira, abril 16, 2010

Poe, Baudelaire, Rimbauld e Édison José da Costa


Eu e meus amigos fizemos algumas-diversas traduções. Uma delas é essa aí de cima, de 1985, com magistral caligrafia do Osvaldo Miran (que fez também a direção de arte e ainda bancou a edição). Era um pôster com a nossa tradução do O Corvo, do Edgard Allan Poe. Ela começava assim:

O corvo

Num dia desses,
no exato minuto do último instante,
eu, bêbado como sempre,
num sonho de escriba extravagante,
delirava às vezes demais.

Daquele gélido julho

não vou esquecer jamais.

Eu, matando saudades da morta,
sugava do litro e de um livro,
que já não idolatro mais.

(Edgard Allan Poe - livre adaptação de Roberto Prado, Marcos Prado, Antonio Thadeu Wojciechowski e Edilson Del Grossi)

E por aí ia. Quem quiser ler o poema inteiro é só clicar aqui. Alguns anos mais tarde essa versão d'O Corvo foi incluída num belo livro de uma editora paulista, em edição trilíngüe, junto com as traduções do corvão feitas por Baudelaire, Fernando Pessoa, Machado de Assis e outros tantos. Saiu também no livro Os Catalépticos (que inspirou o nome da banda curitibana-internacional com link logo acima), junto com outras traduções (Dante, Yeats, Rimbaud, Mickiewicz, Camões, Shakespeare, Baudelaire).

Charles Baudelaire foi um caso à parte. Pretendíamos traduzir todo o livro As Flores do Mal. Doce ilusão: de quase 400 textos traduzimos dois (e no pau da goiabeira). Para um trabalho desses precisaríamos ficar anos em tempo integral, sustentados por alguma editora maluca, depenando a alma. Os poemas que conseguimos traduzir foram A alma do vinho e este outro aqui:


O vinho dos amantes

indo belo lindo um dia todo sim
é proibido proibir que tenha fim
bebo o vinho mel, divino néctar,
o céu ainda por cima parece concordar

um par de arcanjos, que figuras!
ambos puros artífices das alturas
eu e a taça, vinhetas da paisagem
o vinho volta à uva, eu, à miragem

no embalo dos tragos a terra gira
mecanismos de um turbilhão inteligente
que tudo ouve sabe vê e só delira

o paraíso já era aqui e paralelamente
em outro entramos, agora como um só
ic! epa! ops! rum... rum... ã? ó!

(Charles Baudelaire - livre adaptação de Roberto Prado, Marcos Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)


Curiosamente, este poema acabou virando letra de duas belíssimas canções, uma do Beto Trindade e outra do Walmor Góes. A versão do Walmor foi gravada pelo Thadeu para o CD Wojciechowski, que foi lançada no CD Wojciechowski, do polaco da barreirinha).


E agora vocês me perguntam, e com toda a razão: e o Édison José da Costa, o que tem com tudo isso? Muito tudo. Pois ele, professor da UFPR, nos deu o privilégio e a honra de fazer parte de um dos mais sérios, corajosos e brilhantes ensaios literários já publicado por estas redondezas. Sério, porque fez uma pesquisa minuciosa e traçou paralelos entre as nossas traduções, justamente as do Baudelaire, com as realizadas pelos tradutores simbolistas do século XIX e ainda fez outras investigações, sem chutes. Corajoso, por usar como base para um estudo publicado em tradicional revista acadêmica, a Letras, o trabalho de poetas talvez um tantinho andrajosos para os padrões da intelectualidade nativa. E brilhante porque pegou a veia, na descoberta, no conceito, no raciocínio e na defesa. Se eu fosse curioso como vocês eu dava uma olhada nesta matéria do Édison José da Costa. A revista Letras nº 51 deve estar disponível nas bibliotecas universitárias por aí, ou no próprio Departamento de Letras da Federal do Paraná.

E para fechar com chave de ouro, uma tradução do Rimbaud de tirar o chapéu (pois o cérebro pula de alegria). E a promessa de lançar o mais breve possível o livro Presença de Espíritos, só com coisas legais traduzidas com alma, de poeta para poeta.


Poema de Arthur Rimbaud

no inverno, rosa, combinaremos
num vagãozinho com almofadas azuis
- um ninho só de cantos macios -
iremos e no bem estar estaremos

para não ver fecharás o olho
pela janela as caretas feias
essas mosntruosidades horrendas
negros demônios e negros lobos

e sentirás a face arranhada
um beijinho feito aranha desvairada
correrá pelo teu pescoço, minha cara

e dirás, "procure" inclinando a cabeça
todo o tempo do mundo à cata
desse bichinho que viaja depressa

(Arthur Rimbaud - livre adaptação de Marcos Prado e Sérgio Viralobos)

Um poema de Roberto Bittencourt


As atuais circunstâncias nas lides políticas da roça iluminada me trouxeram à mente um poema do grande Roberto Bittencourt, publicado no livro Ais de cá, de 1979 (mereceria uma reedição!). Vejam aqui e digam lá.


DESGOSTO NA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA


Que sumam todos

que cada um parta

pela porta de sua

morte

que teima o tempo


que se danem como vozes erguidas

às teias mofosas dos deuses hirtos

que se fundam aos poucos

com o restolho de suas taras


que sumam todos

que cada um solto

pelo salto da sua

morte

seja embalsamado



(Roberto Bittencourt, 1979, do livro Ais de Cá)

Um quase inédito do Leminski

Leminski agradece a atenção dispensada. À esquerda, o compositor e cantor Grafitti, hoje trabalhando na Bélgica.


Eu, o Marcos Prado, o Thadeu Wojciechowski, o Bira Oliveira e o Roberto Jubainski editamos dois números de um jornal chamado Odiário. Um dos colaboradores era o Paulo Leminski, entre criaturas do quilate de Luís Cláudio Oliveira, Aníbal Marques, Luiz Rettamozzo, Solda, Rodrigão Barros, Sérgio Viralobos, José Buffo, Vicente Meneghetti Jr (mais conhecido como O China), Arnaldo Cezar Machado, Alberto Centurião, Plínio Gonzaga e outras estrelas deste e de outros firmamentos.
Pois é. Relendo o número 2 do Odiário me deparei com um poema do Leminski que, até onde eu sei, só tem esta publicação. Então, lá vai ele, para ver se os arqueólogos, exegetas, historiadores e fãs o incluem nas suas obras completas.




(Ode como é que pode ao país
da redundância)

Um vice país governado por um vice
presidente que vice manda e desmanda
sobre um vice bando de vice gentes,
hoje, se diz constituinte.

Na Magna Assembleia, ainda não
apareceu nenhuma ideia.
Discute-se a propriedade da terra,
os meios de conter a CUT e os
interesses dos bancos, que,
nesta terra de brancos
todos os gatos são mansos.

A um povo que só diz sim, uma
elite com alma de pedinte oferece
a comédia de uma constituinte.
Esta pergunta, porém, é eterna:
quem contraiu a nossa dívida externa?
Quem sabe no ano dois mil
chegaremos ao século vinte.
Sim, senhores, o Brasil é o seguinte.

(p leminski 87)