segunda-feira, fevereiro 19, 2007

O samba que é de outros carnavais

O grande Cartola agradece a atenção dispensada, na foto de Milton Montenegro.

Aproveito a deixa para republicar um texto sobre a folia de Momo.


Quando o ano chega a estas épocas lembro que muita gente não sabe separar o samba-samba, a instituição, com o samba-enredo ou as marchinhas, duas de suas vertentes. Algo assim como um norte-americano confundir o som do Lou Reed com o de uma dessas bandas especializadas em mega-concertos carnavalescos. Aí me lembrei de um texto que escrevi junto com o Thadeu para o encarte de um CD do Maxixe Machine, que contém a trilha sonora do filme Barbabel. Um breve ensaio que fala de samba, de poesia e de carnaval (ou a ausência dele nestas paragens subtropicais). E acabou ficando bem divertido. E quem ainda não conhece o Barbabel, corra. Por enquanto, leia o texto:

Os Acadêmicos da Sapolândia

De repente o tal do Luís Américo nos dá o X da questão

“Vou dar bolacha

em quem mexer com a minha nega

já dei colher de chá,

agora chega”.

O povão é louco mesmo. Do brejo das almas salta uma tessitura de ecos e ressonâncias, sambando a la John Donne

“cuidais que são e não são

homens que não vão nem vêm

parece que avante vão

entre doente e o são

mente a cada hora a espia

na meta do meio-dia

andais entre o lobo e o cão”.

Pérolas bóiam na lavagem atirada aos porcos da mídia, puro deleite, entortando a gramática, bagunçando a lógica (ouvide Adoniram), nos apaixonando

“pela dona do 1º andar”.

Mas

eu já disse a você

que malandro demais

vira bicho”

por isso não confunda com vanguardismo. Já no século XVII, Gregório de Matos misturava coisas de todos os povos que por aqui saqueavam e andavam

“pés de puas com topes de seda

cabelos de cabra com pós de marfim

pés e puas de riso motivo

cabelos e topes motivos de rir”.

Ouça os fonemas oclusivos bilabiais (P – surdo- e B – sonoro), nos linguodentais (T – surdo- e D – sonoro), e no velar C – surdo - formando os pares aliterativos. Quero morrer na cadência bonita do samba. Augusto dos Anjos, poeta singular, em Gemidos da Arte, faz as letras A e R voarem

“Um pássaro, alvo artífice da teia

de um ninho, salta, no árdego trabalho

de árvore em árvore e de galho em galho,

com a rapidez duma semicolcheia.

Por outro mesmo lado, Cruz e Sousa imporia ritmo forte, frenético e penetrante no soneto Acrobata da Dor

“Da gargalhada atroz, sanguinolenta,

agita os guizos, e convulsionado

salta, gavroche, salta clown, varado

pelo estertor dessa agonia lenta.”

O mestre negro ensinou nossos brancos a amar Baudelaire e Edgar Poe. Em Noel Rosa, o pulo inverso: um branco ensina nossos negros que

batuque é um privilégio”.

A doida brasileirice ecoa nas marchinhas, onde o espaçotempo desintegra a realidade

ô abre alas que eu quero passar”,

mamãe eu quero mamar”,

alalaô ô ô, mas que calor ô ô”.

Momo hoje perdeu graça, graças à reciclagem mecânica do que já está na parada. Kojak devia meter bronca nesta moçada, junto com o kung fu, chinês valente, homem pra chuchu. Mas não importa, afinal, carnaval é um bando de dedo pra cima, fantasiado de turista. Samba é de outros carnavais.

O the best do tempestuoso carnaval curitibano não é música, batuque, dança, alegoria e, sim, o glorioso nome de uma escola: Acadêmicos da Sapolândia, no qual as sílabas pulam animadamente. O solitário sambista de Curitiba é tão inédito que nem nós, que somos nós, conhecemos o Lápis. Luiz Carlos Paraná fez nascer Maria quando a folia, mas as mocinhas da cidade pensam que é filha do Roberto Carlos. Fazer o que, se é aqui

“onde moro que me sinto bem”?

Pois somente aqui,

onde ela mora”, e "a avenida tem fim"


demora essa sonoridade

“eu nunca tive pinta de eunuco

nem de voyeur do teu balacobaco

meu passarinho saiu do teu relógio cuco

você deixou meu coração batendo fraco”.


Pra terminar, uma pergunta: ouvidos novos ouvem ou vêem os sons que vêm e botam ovos?


(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)