Ler a poesia completa do Bertolt Brecht é esporte radical, passeio em montanha russa sem cinto de segurança.
Num momento, somos levados para os abismos da alma humana, flertamos com a eternidade e recebemos o universo de bandeja. Em outros, caímos de bode com textos datados, panfletos antifascistas e loas ao partido comunista.
Aí, damos um trilhão de descontos, pois o sujeito não estava posando de esquerdista na TV, mas enfrentando Hitler e a SS. Breve intervalo e passamos para saborosos poemas zen-taoístas, linguagem límpida, força primitiva, um misterioso ar oriental mexendo delicadamente com as cortinas da nossa cachola.
No final, novo susto e saímos maravilhados com algumas das mais gloriosas e estonteantemente belas odes à amizade que este planeta já ouviu, repletas de afeto, honra, gratidão, fidelidade.
Você, que conhece a alma humana, já deve saber que os poderosos de qualquer regime não deixariam um sujeito desses viver sossegado em lugar nenhum do planeta (e olha que ele rodou meio mundo):
De cidade em cidade
Sento na beira da estrada
Enquanto o motorista troca a roda.
Não gosto da cidade de onde venho.
Não gosto da cidade para onde vou.
Então por que espero essa troca de roda
Com tanta impaciência?
E o cara continuou, incorrigível, metendo o bedelho em tudo, incapaz de fingir que não era com ele:
Fora essa estrelinha apagada,
pensei, não temos nada
E ela está toda suja e devastada
Ela é nossa casa, nossa única casa
E olhe só o estado da coitada.
(Bertolt Brecht - tradução de Roberto Prado)
Só de olhar a foto dá para imaginar que ele não estava nem um pouco preocupado em agradar à cachorrada. Vão lá. Tem muito mais de onde saíram esses dois.