sábado, fevereiro 25, 2006

Façam alguma coisa pelo nosso amor

Porque hoje é sábado, tenho uma ou duas coisas a dizer. Primeiro: fiz uma adaptação da peça O Inspetor Geral, do Nicolai Gógol para a coleção Teatro em Prosa, da editora FTD. Já ouvi muito sermão de amigo me cobrando por ser um folgado e não ir atrás de editora grande, de lançar algo em São Paulo, Rio, Europa e Bahia. Pois, então, agora vão lá, comprem, leiam, comentem, escrevam resenhas, façam alguma coisa pelo nosso amor. E quem, além de amigo, é professor e dizia não poder recomendar que os alunos comprassem livros de editoras "alternativas", agora acabou a desculpa. É uma editora legalmente constituída, o livro ficou bem bom e tem até um material de apoio para professores e alunos. Mas não é livro didático, entendam bem. Dá pra qualquer um ler. Sem vergonha.


A outra coisa é que já está nas boas bancas de jornal e livrarias o número 38 da revista Idéias, da Travessa dos Editores, com um texto meu. Quem reclama que eu fico escondido, que não saio da toca, que sou um jacuzão, que não divulgo, que estou fora da mídia, vai ficar feliz de me ler lá, ao lado de Fábio Campana, Dalton Trevisan, Ernani Buchmann, Luiz Geraldo Mazza. Podem experimentar um bocadinho. Mas a matéria completa, só na revista Idéias.

Do auto-atrapalho
à culpa dos outros:
a arte de dar errado


"De certo modo é reconfortante saber que o costume de dar com os burros n’água e ver a vaquinha brejeira atolada até o gorgomilo não é um problema pessoal, mas característica profunda da alma brasileira. Atire o primeiro projeto gorado aquele que dentre vós nunca fracassou. Por isso, não fique triste, não se zangue, sossegue o coração: esse tropismo ancestral para o infortúnio não é motivo de vergonha ou constrangimento. Não precisa discutir com a patroa, bater nos filhos e sair par aí atropelando velhinhas por uma coisinha à toa dessas. Sem escândalos e chiliques, por favor. Afinal, não é culpa de ninguém."

E tem uma terceira coisa a contar que é sobre o lançamento da nova edição da versão do Livro de Tao feita por mim, pelo Alberto Centurião e pelo Antonio Thadeu Wojciechowski, por uma editora paulista, com a direção de arte por conta de um dos maiores artistas gráficos do mundo, o genial Daniel Kondo. Mas essa notícia eu deixo para o Thadeu explicar melhor lá no Polaco da Barreirinha. Essa é uma notícia legal para quem reclama que fazemos edições muito pequenas, que os livros acabam. Agora quero ver todo mundo comprando de penca, para si e para presentar aos amores de suas vidas. Sem vergonha.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

A brutal elegância da conversa com versos.


Antônio Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos, Marcos Prado e Roberto Prado desempenham com perfeição o papel de bons rapazes por ocasião do lançamento do livro Os Catalépicos, no qual autografaram com diversos carimbos: "amigo", "amiga", "gostosa" e "desconhecido".




Marcos Prado, Antonio Thadeu Wojciechowski e Márcio Cobaia Goedert em espetáculo musical na capital paranaense.


Antonio Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado navegando para um compromisso social numa ilha deserta.


Temos aqui em Curitiba um grupo de amigos poetas, que se comporta, às vezes, como quadrilha, bando ou banda. Um pessoal, digamos assim, meio extravagante, maltrapilho, desastrado, meio... para ser bem sinceros mesmo, meio jacus. Mas, por conjunções cósmicas desconhecidas, até que fazemos uns versinhos interessantes de vez em quando. Pois bem. Os nossos amigos famosos no mundo das letras e das artes vivem tentando ajudar a gente e reclamam que os modos da turba assustam às visitas. Fazemos força, tentamos tranqüilizá-los:

pão seco na porta

eu bem que tento fazer tudo certinho
só preciso de um pouco de compreensão
o doutor disse: "- você vai ficar bom!"
e já me sinto bem mais bonzinho

tenho fé de que tudo vai melhorar
nunca mais vou precisar me desculpar
a vida não é brinquedo vocês sabem
e por mais que cuide acaba saindo bobagem

eu nunca fui ladrão, prefiro pedir
perdão se um dia ofendi sendo sincero
devo tudo a vocês, não canso de repetir
amor carinho é tudo que eu quero

que seja um bálsamo para tu’alma estas rimas
fiz de coração aberto e espírito desarmado
por sensível, acabam me tomando por viado
viu? acabei de fazer mais uma das minhas

(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

Certa vez, estávamos prestes a nos dar bem com um grande editor de São Paulo (obrigado, amigos famosos), mas não resistimos à tentação de lhe mostrar nossa última criação, achando que, por ser um soneto, ia pegar bem:

ponto crítico

Saúde, luz e vida longa ao crítico,
Alma humana que merece salvação.
Escura morte morna à Crítica,
demônio doente com o diabo no corpo são.

Não odeia, aquele que foi bafejado pela razão,
os afastados de Deus pela ausência de prazer.
Não se exija do necrófilo nada além de saber
arrastar cadáveres para a prostituição.

As lingüiças existem, carentes de encheção.
Não erga a voz para justiçar sem dó
Àqueles que a dor do silêncio já respondeu.

Ame, também, os que estão abaixo da abstração,
sem querer chorar o que é riso só,
sem querer sorrir o que entristeceu!

(Roberto Prado, Marcos Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

Bem, o editor foi educadíssimo, mas – acreditam nessa? – reclamou aos nossos amigos famosos que éramos talentosos, mas muito agressivos. Claro que não publicou nada: "fora do perfil". Nossa indignação foi proporcional ao tamanho da injustiça:

me enterrem vivo

Você vai acabar gostando
No começo pode até estranhar
Só que chorar não adianta
Chega uma hora que a gente cansa de lutar

Aí você bebe até se enlamear
De boca na valeta não levanta
Mas amanhã será o mesmíssimo dia
De todos eles a censura e o rancor

Da raiva saber que o mundo é assim
Só o vírus da dor me contagia
Não tenho amor nem por mim

E se você pensa que não vai cair na vida
Alegria, alegria, alegria, alegria
Começou a sua festa de despedida

(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

Mas não somos de guardar mágoa. Logo nos reunimos à maloqueirada, conversamos, cantamos, demos umas boas gargalhadas e, inspirados, transformamos a frustração em uma mensagem altamente edificante:

sentado à beira do campinho

ninguém vai querer saber
se você presta ou não presta
a grande maioria te odeia
e o resto te detesta

eu já fui como você
não tenho vergonha de dizer
agora pernas pra que te quero
que ninguém é de ferro

na guerra entre o ponteiro
e o quarto zagueiro
quem vai na bola
sai pra reserva de padiola

só não me use como espelho
eu sou bonito e você é feio
tire a minha imagem do tubo
quadrado é o teu cubo

(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski )

Bom, hoje os nossos amigos famosos evitam apresentar a gente para as novas patroas ou nos convidar para as suas casas novas com as patroas antigas. E só nos chamam à festa para carregar caixa (depois que a festa começa, a gente fica na cozinha). Mas, só para você ter uma idéia da nossa boa vontade, desprendimento e superioridade moral, chegamos ao cúmulo de dar explicações e até revelar as origens do nosso transtorno:

imaginem se eu tivesse infância

não me venha cobrar pela agressão gratuita
ensinar que é bom ninguém ensina
depois ficam falando por trás das minhas gracinhas
paródias, deboches, escárnios sem o menor respeito
entendam de uma vez que esse é o meu jeito

nunca tive dinheiro pra comprar um livro
os que roubei eram de um mau gosto incrível
todos diziam que eu não valia o sermão que ouvia
dicas, palpites, orientações, exemplos sadios
meus amigos eram todos uns vadios

ler e escrever pra mim já é muito
os bons se acham demais pra perder tempo comigo
pra chegar onde cheguei só eu sei o que engraxei
disso ninguém lembra na hora de exigir qualidade
meu escrito e escarrado é o retrato dessa realidade

subnutrido não aprende nada na escola
a dureza da vida foi minha tese de pós-graduação
quem não teve sapato pra jogar tem que entrar de sola
repetidor, inculto, kitch, demodê, estilo indefinido
o que vocês tiram dos livros, eu tiro do ouvido

guardei na pele toda a sorte de humilhações
hoje, quando me querem no picadeiro de letrados
vejo que estava até certo ponto errado
abraços, beijos, elogios: dêem ao coitado do porteiro
minha parte da glória eu quero em dinheiro


(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

É. Impressionante como esse mundo é mau mesmo. A gente crente que está abafando, quase com a mão na taça, a um passo do nirvana e na hora h, no dia d, sempre aparece alguém para sacanear. Você pode até achar que tudo isso é o fim do mundo. Com toda razão, pois é mesmo:

desta vez vai bater

em todos os textos antigos
desde os tempos mais remotos
maremotos e terremotos
ainda não foram castigos

o pior não está acontecendo
deixe o cometa halley voltar
o céu prepara um calote polar
nada se verá de tão tremendo

daquela vez ia bater
da próxima vez vai bater
desta vez vai bater

tem que bater

o mudo terror de tua alma em alarde
nem o mais escuro esconde
quer correr mas agora é tarde
quer gritar mas agora é longe


(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

Essa é apenas uma das conversas que dá para montar com os poemas do livro Conversa com versos, que logo vai sair, só com poemas em parceria. Se algum amigo famoso quiser dar uma força, pode ficar tranqüilo, vamos nos comportar como na primeira foto..

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

As aventuras do Sátiro peralta e do santíssimo Trindade

De pé, atrás do Marcos Prado, o Adriano Sátiro, hoje habitante da paradisíaca Penha, no litoral de Santa Catarina.


De mãos para o céu, o Beto Trindade, diante de igreja histórica nos arredores de Londres, que ele recebeu com a missão de transformar num centro cultural.

Pois essas duas criaturas, hoje morando em locais antagônicos do planeta, moravam em Curitiba e tinham coisas em comum. Uma rebeldia natural contra qualquer rótulo, por exemplo e a facilidade de lidar com todas as artes, isso para resumir mal e porcamente a personalidade desses dois trabalhólatras assumidos. Claro que eles foram embora de Curitiba.

Mas o que eu quero dizer é que sob a batuta dessa dupla eu aprendi um bocado sobre música, poesia, sonoridade, teatro, coerência, respeito, honra e tradição. Suei um bocado para acompanhar o ritmo alucinado dos dois compositores mais rápidos no gatilho.

Uma letra é uma letra. Fiz algumas. Gosto delas, não esqueço e nem renego. Nunca. Mas o que me orgulha de verdade nessa história de letrista e compositor é ter sido capaz da proeza de colocar versos em músicas de caras que escrevem melhor do que eu, como o Adriano Sátiro e o Beto Trindade.

Além de canções, escrevi e atuei numa peça de teatro em parceria com o Adriano, Tô de cara, coração, em 1982, um espetáculo que chegou ao cúmulo de ter público na platéia.Fui operador de som e fiz a letra da música-tema de K, o Monólogo, peça da Familía Buty King, de assombrosa memória (Trindade, Julio Garrido, Gilberto Canabarro e Eduardo Prante). Com Trindade e Adriano, juntos ou separados, participei de muitos shows, dizendo meus versinhos e até cantando, para desepero dos músicos de pouca fé, temerosos de uma invasão massiva de poetas lhes tomando o ganha pão. Mas os dois não estavam nem aí.

Não sei direito o que o Adriano está aprontando no momento. Mas posso apostar que, com ele por perto, Penha já deve ter grupo de teatro, coral, banda de rock, estúdio. O Trindade tem uma banda lá em Londres, junto com um inglês e um Palestino, a Macogna, além da carreira solo.

O legal é que eles têm duas outras coisas em comum. A primeira é que os dois são parceiros do Carlos Careqa, que não é bobo nem nada e sabe que agregar talento é um dos seus grandes talentos. Procure os discos Os homens são todos iguais, Música para final de século e Não sou filho de ninguém. E ouça para ver o que é bom. A segunda coincidência é que os dois têm CDs solo produzidos pela Homem de Ferro, de Curitiba, a produtora dos heróis da resistência Rodrigo Barros e Luís Ferreira (anjos da guarda que, além de nos darem o Beijo aa Força e o Maxixe Machine, agora estão tramando os últimos detalhes do CD Wojciechowski, com as pérolas do cancioneiro do Thadeu).

Procure por aí. Nos Cds O melhor do bom do Trindade, do Beto Trindade, é claro, e em A caminho do céu, com Adriano Sátiro e os Bem Aventurados. Ou em mp3. Coisas geniais, maravilhas que você pode dar de presente a você mesmo, esteja você disposto ou não a ir para Penha/BR ou Londres/UK.




quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Estamos nesse mundo de passagem


De dentro para fora: Nelson Cavaquinho observa a Mangueira.



De fora para dentro: Mangueira observa Nelson Cavaquinho.


Quando o ano chega nestas épocas, lembro que muita gente não sabe separar o samba-samba, a instituição, com o samba-carnaval, uma das suas vertentes.

"Todos têm o direito
De sorrir neste mundo

Só eu choro porque

Sou um rei vagabundo."

Algo como um norte-americano confundir o som do Lou Reed com o de uma dessas bandas especializadas em mega-concertos carnavalescos.

"Noites eu varei
Mas cada amor me fez um rei

Um rei vadio

Um poeta tão sem lei"

Aí me lembrei de um texto que escrevi junto com o Thadeu para o encarte de um CD do Maxixe Machine, o Barbabel.

"Quando eu ouço
As badaladas do sino
daquela igrejinha

Julgo-me ainda feliz
E que és toda minha

E quando vejo
a torre bem alta

Daquela linda catedral
Fujo da tua amizade infernal"

Um breve ensaio que fala de samba, de poesia e de carnaval (ou a ausência dele). E acabou ficando bem divertido. E quem ainda não conhece o Barbabel, corra. Por enquanto, leia o texto:

Os Acadêmicos da Sapolândia

De repente o tal do Luís Américo nos dá o X da questão

“Vou dar bolacha

em quem mexer com a minha nega

já dei colher de chá,

agora chega”.

O povão é louco mesmo. Do brejo das almas salta uma tessitura de ecos e ressonâncias, sambando a la John Donne

“cuidais que são e não são

homens que não vão nem vêm

parece que avante vão

entre doente e o são

mente a cada hora a espia

na meta do meio-dia

andais entre o lobo e o cão”.

Pérolas bóiam na lavagem atirada aos porcos da mídia, puro deleite, entortando a gramática, bagunçando a lógica (ouvide Adoniram), nos apaixonando

“pela dona do 1º andar”.

Mas

eu já disse a você

que malandro demais

vira bicho”

por isso não confunda com vanguardismo. Já no século XVII, Gregório de Matos misturava coisas de todos os povos que por aqui saqueavam e andavam

“pés de puas com topes de seda

cabelos de cabra com pós de marfim

pés e puas de riso motivo

cabelos e topes motivos de rir”.

Ouça os fonemas oclusivos bilabiais (P – surdo- e B – sonoro), nos linguodentais (T – surdo- e D – sonoro), e no velar C – surdo - formando os pares aliterativos. Quero morrer na cadência bonita do samba. Augusto dos Anjos, poeta singular, em Gemidos da Arte, faz as letras A e R voarem

“Um pássaro, alvo artífice da teia

de um ninho, salta, no árdego trabalho

de árvore em árvore e de galho em galho,

com a rapidez duma semicolcheia.

Por outro mesmo lado, Cruz e Sousa imporia ritmo forte, frenético e penetrante no soneto Acrobata da Dor

“Da gargalhada atroz, sanguinolenta,

agita os guizos, e convulsionado

salta, gavroche, salta clown, varado

pelo estertor dessa agonia lenta.”

O mestre negro ensinou nossos brancos a amar Baudelaire e Edgar Poe. Em Noel Rosa, o pulo inverso: um branco ensina nossos negros que

batuque é um privilégio”.

A doida brasileirice ecoa nas marchinhas, onde o espaçotempo desintegra a realidade

ô abre alas que eu quero passar”,

mamãe eu quero mamar”,

alalaô ô ô, mas que calor ô ô”.

Momo hoje perdeu graça, graças à reciclagem mecânica do que já está na parada. Kojak devia meter bronca nesta moçada, junto com o kung fu, chinês valente, homem pra chuchu. Mas não importa, afinal, carnaval é um bando de dedo pra cima, fantasiado de turista. Samba é de outros carnavais.


O the best do tempestuoso carnaval curitibano não é música, batuque, dança, alegoria e, sim, o glorioso nome de uma escola: Acadêmicos da Sapolândia, onde sílabas pulam animadamente. O solitário sambista de Curitiba é tão inédito que nem nós, que somos nós, conhecemos o Lápis. Luiz Carlos Paraná fez nascer Maria quando a folia, mas as mocinhas da cidade pensam que é filha do Roberto Carlos. Fazer o que, se é aqui

“onde moro que me sinto bem”?

Pois somente aqui,

onde ela mora”, e "a avenida tem fim"


demora essa sonoridade

“eu nunca tive pinta de eunuco

nem de voyeur do teu balacobaco

meu passarinho saiu do teu relógio cuco

você deixou meu coração batendo fraco”.


Pra terminar, uma pergunta: ouvidos novos ouvem ou vêem os sons que vêm e botam ovos?


(Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Um antiensaio do aniquilamento


O cara da foto acima é o Marcos Prado posando para o livro Dois mais dois são três em um, parceria dele com o grande Sérgio Viralobos. Uma preciosidade na idéia, no texto, na concepção gráfica, foi o marco inicial de uma nova forma de ler, de sentir, de praticar e de se editar poesia. Poemas em parceria. Índice comentado. Epígrafes que complementavam. Tudo pensado nos mínimos detalhes. Fez revolução, mexeu com as cabeças e pôs as pernas para funcionar. A rapaziada em volta sentiu que o "faça você mesmo" não precisava e não devia significar indigência.

Onde eu quero chegar? Simples. Esse livro, que tanto sucesso fez, hoje é uma raridade. Conhecido mais por ouvir falar, sentido pela influência em outras obras, virou lenda. Quem tem, esconde para não roubarem. Marcos Prado ganhou recentemente uma edição primorosa, o Ultralyrics, pela Travessa dos Editores, que tem até CD encartado. Mas outro grande livro da mesma dupla ainda está inédito: O livro póstumo de marcos prado e sérgio viralobos.

E isso me faz lembrar de obras misteriosas, como a do título matador Um antiensaio do aniquilamento. Quem me passou um exemplar, entusiasmado, foi o César Bond, em algum dia do meio da década de setenta. Eu e o Marcos lemos e concordamos: o cara era forte. Mas, como bons meninos, devolvemos o exemplar ao Cesinha. Pronto. Nunca mais conseguimos botar a mão no livrinho. Sobrou apenas o que ficou na memória. Muitos amigos duvidavam da sua existência e um chegou a dizer que desconfiava ser um heterônimo nosso.

Mas eu sei que o autor era do interior de Minas Gerais, seu nome era Eduardo Alcântara e na época (quase 30 anos atrás) já não era nenhum jovenzinho. Ele existe (ou existiu) sim, senhores, e espero que algum mineiro bem informado diga onde encontrar Um antiensaio do aniquilamento e outras bossas do mesmo poeta.

Enquanto isso, sobra o que me ficou na memória. Pois ela insiste em teimar que caras assim não merecem ser esquecidos:

Anticredo

Creio na sombra que me isola,
creio na inútil mansidão
que rumina o passado; e creio
nos erros digeridos;
na assimilação anticonfessada
de emoções que frutificam
sem Ti.

Creio na fuga do sol
e na ausência da flor.

Creio no prematuro, o inacabado;
na volúpia do tempo
e na fortuna do espaço,
que afastam os germes;
creio no Id, no Ed, e no Supered
que me obrigam a crer
no sonho, na angústia e o antiímago.
Creio em Ti
Como sombra que afaga tanto Nada
para que a luz não se extinga entre meus dedos
de esqueleto sem pés e sem história.
Amém. Ou talvez não.

Eduardo Alcântara, de algum lugar das Minas Gerais.