quarta-feira, julho 12, 2006

A musa britânica de Beto Trindade e Marcos Prado

Mais um exemplar recuperado da série de poemas em inglês da dupla Marcos Prado e Beto Trindade, perdidas na noite dos tempos. Com esse, já são três. Em algum lugar dos arquivos deste blog você encontra os outros dois que voltaram à luz. Com uma pequena ajuda dos amigos (atenção pessoal d'Os Cervejas, Missionários e outros!) garimparemos todo o calhamaço. Por enquanto, fiquem com a preciosidade.



Neanderthal Woman

come and see, mister
this creature from the depths of limbo
not to stir up your libido
but to poison your blood with terror

no, this is not a peep show
behind the red curtain there's a jail
inside the jail there's a lady
and inside the lady lies a wild beast

don't starve your curiosity
cause a starving curiosity
is like a sleeping sentry
and a sleeping sentry
won't let you be a real man

come and see who your wife comes from
if you don't fear the past, man
come on
in

(Beto Trindade e Marcos Prado)


Mulher Neandertal

venha e veja, cavalheiro
esta criatura das profundezas do limbo
não para mexer com a sua libido
mas para envenenar o seu sangue com terror

não, isto não é um peep show
atrás da cortina vermelha há uma jaula
dentro da jaula há uma mulher
e dentro da mulher vive um animal

não deixe de alimentar a sua curiosidade
pois uma curiosidade com fome
é como uma sentinela adormecida
e uma sentinela adormecida
não vai deixar você ser um homem de verdade

venha e veja de quem a sua mulher descende
se você não tem medo do passado, cara,

vamos, entre

(M.Prado/B.Trindade - tradução de Beto Trindade)

segunda-feira, julho 10, 2006

Três poetas que estão na cara

A grande amiga de todos os tempos Dóris Teixeira, arquiteta da alma, me mandou um trecho do Maiakovski. Bonita lembrança de uma bela pessoa a quem eu, obviamente, devo estrita obediência. Aproveitei o embalo da sugestão para compor com outros dois poetas que não estão no mapa, Beto Trindade e Domingos Pellegrini. Não dá tempo para ficar triste com amigos assim, não é dona Dóris?


Trecho de Maiakovski enviado pela Doris

Eh ! senhores
amadores de sacrilégios,
carnificinas e crimes,
já vistes o mais terrível?
Meu rosto
quando estou
absolutamente tranqüilo.

Eu para mim é pouco.
Algo se empenha em sair de mim
como um louco.

(Vladimir Vladimirovitch Maiakovski)


SP e RJ: relembradadas em Londres

a classe média do rio é o ranço da corte
a síndrome do não gosto
conservativismo de esgoto

a vã vanguarda paulista com seus negócios

projetos e pretensões britânicas elitistas

os britânicos com suas classes

bem mal divididas adotam pretos

como animais de estimação e

rolam com eles no chão

os pretos pensam que são granfinos
e estão com a bola toda

os indianos se ressentem no posto de gasolina

os sul americanos viram patriotas

e eu acho tudo uma grande bosta

(Beto Trindade)



Poema do Pellegrini

Cadê os chinelos
aquele sonho cadê
vou procurar de joelhos

assim já estou pronto

para agradecer

(Domingos Pellegrini)

domingo, julho 09, 2006

Curitiba, desperdício da nossa alegria



Um dia desses a revista Idéias publicou um texto meu que dizia mais ou menos assim:

Não estou inventando. Um dia desses eu pensei ou li em algum lugar que Curitiba, sempre que tem chance de aparecer na fotografia, simboliza a si mesma com imagens de parques, prédios públicos e obras viárias. Se não pensei, deveria ter pensado. E se li, deveria ter escrito antes, pois está na cara que nós, as pessoas, os atores, só servimos mesmo para atrapalhar este espetáculo produzido, escrito e dirigido por cenógrafos.

Alegria, alegria!

Pode virar cambota e dar pirueta à vontade. Aqui a plebe não tem tempo a perder com besteira. E a elite está muito ocupada mandando em você. No filme da cidade, fomos contratados como extras, orientados para não ficar na frente do cenário e limitados aos desafiantes papéis de passantes, populares e cidadãos genéricos. E lambam os dedos, pois os nossos chefes estão prestes a descobrir que, para isso, é mais negócio contratar um elenco em São Paulo.

O que é que o bahiano tem?

Parece exagero? Acha que eu inventei? Então faça o teste: procure algum anúncio oficial com o título ao menos próximo de “Curitiba, terra de Dalton Trevisan”, mande cópia e concorra a uma viagem com tudo pago para a maravilhosa terra de Jorge Amado.

Tubo de imagem queimado.

Agora, vamos calcular juntos e sem inventar moda: se nem mesmo os portentos da literatura, da arte, da ciência e do esporte servem como ícones de coisa alguma, imagine eu, você e o tal do povão. Nós todos, esse bando de pobres coitados que insiste em andar por aí enfeando a paisagem, não temos nem o direito sagrado de aparecer vendendo acarajé, batucando pandeiro, manobrando as velas do Mucuripe, tostando um boi no espeto, assando na praia ou comendo chineque no Centro Cívico.

Queimando o filme bonito.

Nossa principal função simbólica consiste em estrelar comerciais dos governantes dizendo variações da frase: “Ih, tá bem mió. Arresorveu. Coéssa obra gora tá mir di bão. Celente mesmo!”. E nada de invencionices. No final, devemos fazer um tímido sinal de positivo e sorrir amarelo. Nunca em close, claro, seria pedir demais, pois sabemos que é preciso dar destaque ao trator de esteira em primeiro plano, à perfeição da nova malha asfáltica e às dimensões do caminhão cegonheira que passa, simbolizando o tamanho da utilidade da obra. Feita com o dinheiro de quem? Dos extras.

Falta na entrada da área, quem vai bater?

E se tudo isso não fosse, como parece, uma grande sacanagem, mas, sim, a alta pedagogia de uma elite sábia, que assim evita nos estragar com elogios, mimos e carinhos? Esqueça: é sacanagem mesmo. E se você acredita no sofrimento como método de aprendizado, pode tirar o coitado do cavalinho do granizo: a necessidade, definitivamente, não é a mãe da invenção. Sofrer ensina a ser sofredor, necessidade ensina a ser necessitado. É científico. Ou você acha que o Rogério Ceni treina cobrança de falta descalço, chutando paralelepípedos, enquanto lhe passam a mão no traseiro e dão tapas na orelha “pra ficar esperto”? Então você dirá: esse rapaz não joga aqui, mas no São Paulo e o título deste post não é seu, mas de um compositor de Irará, no interior da Bahia. E eu serei obrigado a concordar. Pois agora você me pegou. E, pior, me pegou em flagrante, tentando inventar.

(Roberto Prado)