sexta-feira, abril 16, 2010

Poe, Baudelaire, Rimbauld e Édison José da Costa


Eu e meus amigos fizemos algumas-diversas traduções. Uma delas é essa aí de cima, de 1985, com magistral caligrafia do Osvaldo Miran (que fez também a direção de arte e ainda bancou a edição). Era um pôster com a nossa tradução do O Corvo, do Edgard Allan Poe. Ela começava assim:

O corvo

Num dia desses,
no exato minuto do último instante,
eu, bêbado como sempre,
num sonho de escriba extravagante,
delirava às vezes demais.

Daquele gélido julho

não vou esquecer jamais.

Eu, matando saudades da morta,
sugava do litro e de um livro,
que já não idolatro mais.

(Edgard Allan Poe - livre adaptação de Roberto Prado, Marcos Prado, Antonio Thadeu Wojciechowski e Edilson Del Grossi)

E por aí ia. Quem quiser ler o poema inteiro é só clicar aqui. Alguns anos mais tarde essa versão d'O Corvo foi incluída num belo livro de uma editora paulista, em edição trilíngüe, junto com as traduções do corvão feitas por Baudelaire, Fernando Pessoa, Machado de Assis e outros tantos. Saiu também no livro Os Catalépticos (que inspirou o nome da banda curitibana-internacional com link logo acima), junto com outras traduções (Dante, Yeats, Rimbaud, Mickiewicz, Camões, Shakespeare, Baudelaire).

Charles Baudelaire foi um caso à parte. Pretendíamos traduzir todo o livro As Flores do Mal. Doce ilusão: de quase 400 textos traduzimos dois (e no pau da goiabeira). Para um trabalho desses precisaríamos ficar anos em tempo integral, sustentados por alguma editora maluca, depenando a alma. Os poemas que conseguimos traduzir foram A alma do vinho e este outro aqui:


O vinho dos amantes

indo belo lindo um dia todo sim
é proibido proibir que tenha fim
bebo o vinho mel, divino néctar,
o céu ainda por cima parece concordar

um par de arcanjos, que figuras!
ambos puros artífices das alturas
eu e a taça, vinhetas da paisagem
o vinho volta à uva, eu, à miragem

no embalo dos tragos a terra gira
mecanismos de um turbilhão inteligente
que tudo ouve sabe vê e só delira

o paraíso já era aqui e paralelamente
em outro entramos, agora como um só
ic! epa! ops! rum... rum... ã? ó!

(Charles Baudelaire - livre adaptação de Roberto Prado, Marcos Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)


Curiosamente, este poema acabou virando letra de duas belíssimas canções, uma do Beto Trindade e outra do Walmor Góes. A versão do Walmor foi gravada pelo Thadeu para o CD Wojciechowski, que foi lançada no CD Wojciechowski, do polaco da barreirinha).


E agora vocês me perguntam, e com toda a razão: e o Édison José da Costa, o que tem com tudo isso? Muito tudo. Pois ele, professor da UFPR, nos deu o privilégio e a honra de fazer parte de um dos mais sérios, corajosos e brilhantes ensaios literários já publicado por estas redondezas. Sério, porque fez uma pesquisa minuciosa e traçou paralelos entre as nossas traduções, justamente as do Baudelaire, com as realizadas pelos tradutores simbolistas do século XIX e ainda fez outras investigações, sem chutes. Corajoso, por usar como base para um estudo publicado em tradicional revista acadêmica, a Letras, o trabalho de poetas talvez um tantinho andrajosos para os padrões da intelectualidade nativa. E brilhante porque pegou a veia, na descoberta, no conceito, no raciocínio e na defesa. Se eu fosse curioso como vocês eu dava uma olhada nesta matéria do Édison José da Costa. A revista Letras nº 51 deve estar disponível nas bibliotecas universitárias por aí, ou no próprio Departamento de Letras da Federal do Paraná.

E para fechar com chave de ouro, uma tradução do Rimbaud de tirar o chapéu (pois o cérebro pula de alegria). E a promessa de lançar o mais breve possível o livro Presença de Espíritos, só com coisas legais traduzidas com alma, de poeta para poeta.


Poema de Arthur Rimbaud

no inverno, rosa, combinaremos
num vagãozinho com almofadas azuis
- um ninho só de cantos macios -
iremos e no bem estar estaremos

para não ver fecharás o olho
pela janela as caretas feias
essas mosntruosidades horrendas
negros demônios e negros lobos

e sentirás a face arranhada
um beijinho feito aranha desvairada
correrá pelo teu pescoço, minha cara

e dirás, "procure" inclinando a cabeça
todo o tempo do mundo à cata
desse bichinho que viaja depressa

(Arthur Rimbaud - livre adaptação de Marcos Prado e Sérgio Viralobos)

9 comentários:

romério rômulo disse...

roberto:
cheguei aqui pelo facebook.
um abraço.
romério

Roberto Prado disse...

Valeu a visita, Romério! Volte sempre que a casa é sua.

Roberto Prado disse...

Como eu reaproveitei a base de um post anterior para fazer este e trazer à baila o assunto, aproveito para reproduzir abaixo os comentários para a versão 2006 do texto, para quem interessar possa:

polacodabarreirinha disse...

Pô, Becão, essa de vc colocar o Corvo com direito a página especial com cliques etc., me deixou com inveja, onde vc aprendeu essa? Boa a lembrança do Edson, ele merece.

Abraço

Thadeu
Sábado, Março 11, 2006

roberto prado disse...

Thadeuzão, essa da página com cliques para ler em gif é obra do Elson Fróes. Eu só dei um jeito de linkar. O Édison é do bem! Cara, se você tiver aí o email, telefone do professor, passe a ele o link. Abração
Sábado, Março 11, 2006

marilda confortin disse...

Ninguém passa impunemente pelo corvo! Nem pelo Baudelaire nem pelo Rimbaud. E pelo que ando lendo neste blog, nem pelos Prados. Que meda! rs.
Sábado, Março 11, 2006

roberto prado disse...

Marilda, o maior problema é a sombra da asa do corvão sobre o telhado. Mas, com o tempo, a gente acostuma - e economiza cortina. Mas o importante mesmo é estar em boa companhia, com visitas como a sua!
Sábado, Março 11, 2006

roberto prado disse...

Aviso aos navegantes: tive de excluir o post sobre o poeta Alberto Centurião. Houve alguma conspiração ciberespacial que bichou o arquivo. O Centurião é meio bruxo mesmo. deve ser sinal de que tenho de postar melhor. E é o que vou fazer, logo, se possível com novos poemas. Portanto, a legião de fãs do Centurião pode parar de me pegar no pé.
Sábado, Março 11, 2006

bira niquel disse...

Do caralho, meu. Cê manda muito bem. Vi teu link no Curitiba underground e vim conferir. Beleza, mano. Vou voltar.

Bira Niquel
Segunda-feira, Março 13, 2006

roberto prado disse...

Valeu, Bira. Volte mesmo. Você é dos "Niquel" ali do Bigorrilho?
Terça-feira, Março 14, 2006

vinícius alves disse...

roberto, eu tinha esse cartaz. não me lembro quem me deu. também fiz uma "tradusom" do corvo (1999), com prefácio do elson fróes, pela minha editora em co-edição com a ufsc (univ. fed. de santa catarina) daqui de floripa. a página já está nos favoritos. também voltarei. abraço
Quarta-feira, Maio 03, 2006

san disse...

PowraH! Que bela surprise, Seu Roberto Prado!
Eu, como estou vivendo o ano chinês made in Taiwan do Bicho Esperto Descobridor do Óbvio, vou colocá-lo na minha lista de descobertas de 2010. Well, antes tarde do que noite.
Vocês apostam no insano, meu! Adorei, adorei. Vou linkar no Nervs, vou seguir, fazer enfim a coisa toda.

Aquele elogio que você me deixou no comment ganhou outra dimensão. Obrigada demais.

Roberto Prado disse...

San, legal que você me resgatou em meio aos escombros da antiga era digital! Ser uma descoberta é tudo que eu (e meus parceiros, certamente, mas eles que o digam, rerere)quero. Obrigado digo eu a você, San!
Ah, eu também sou fã do Vítola! Pode contar pra ele.

san disse...

Hahahaha!

Procurei um e-address pra te mandar um relou mas não encontrei, então aqui vai: postei um lance sobre seu blog lá no Nervosa, espero que você dê vistas e feedback, mas já estou gostando muito da brincadeira. Ouso dizer, no meu total nonsense, que a gente vai trocar muita figurinha, vale?

Sim, vou contar pro Vitola, daqui a pouco, podexá ;)

Batcho
San

Roberto Prado disse...

San, comentei lá no teu blog e, se você permitir, já que falamos de rimbaud, vou contrabandear material de lá para cá.
Beijos pra você também.

san disse...

Bobby McMeadow,
sinta-se em casa pra pegar o que quiser, honra toda minha.

E mande ver aí no blogão. Você, com essa lokura, não tem direito a não-postar todo dia, pleeease, quero mais quero mais :)
Batcho
Margot, Miss Sweater

Ademir Demarchi disse...

Caro Roberto, eis o link para ler o ensaio do Édison

http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/view/18955/12273