domingo, novembro 29, 2009
De coments a post, a alma herege
Do texto do Jamil Snege que publiquei mais abaixo derivou um inspirado poema de Ivan, o Belo, ou, para os íntimos, Professor Doutor Ivan Justen Santana, cuja multicolorida alma poliglota, em carne e osso, habita entre nós. Quem quiser mais tem o link ao lado.
JAMIL SNEGE
Quem soube revelar esta alma bege
que o "bom" curitibano elege e rege
(e fá-lo recusar-se a fazer frege)
foi, num tempo sujo, um "mau elemento"
cujo nome o vil, o tolo e o nojento
não ouviram: chama-se Jamil Snege.
(Ivan Justen Santana)
sexta-feira, novembro 20, 2009
COMO TORNAR-SE INVISÍVEL EM CURITIBA
Você pode começar treinando numa dessas manhãs de muita neblina, à margem de um lago ou num bairro bem afastado do centro da cidade. Pode optar por uma rua deserta, no começo da noite ou numa véspera de feriado. Pode vestir um uniforme camuflado ou levar o seu "personal trainer" a tiracolo, pouco importa.
Esteja você com a síndrome do pânico ou com o coração amargurado, existe um método muito mais eficiente para tornar-se invisível em Curitiba do que essas deambulações (sic) pelos ermos da cidade. Embora não esteja ao alcance de todos, convém conhecê-lo, já que é absolutamente infalível e seus resultados surpreendentes.
Primeira condição: você precisa ter talento genuíno. Estudar bastante também ajuda, mas não substitui aquele toque de gênio inconfundível que marca e distingue certas pessoas desde o berço. Pois bem. De posse desse talento que Deus lhe deu – e contra a falta de estímulo da família, do meio e particularmente da própria cidade – você deve se atirar de corpo e alma na consecução de seu destino. Guiado unicamente pelo seu daimon, pelo seu anjo tutelar, você dará início à construção de sua lenda pessoal e dos projetos que dela advirão. Você estará, finalmente, a caminho de tornar-se invisível.
Cada conquista, cada livro publicado, cada poema, escultura ou canção, cada tela, espetáculo, disco, filme ou fotografia, cada intervenção bem sucedida no esporte, no direito ou na medicina, cada vez que alguém, lá fora, reconhecer com isenção de ânimo que você está produzindo obra ou feito significativo – o seu grau de invisibilidade aumenta em Curitiba. E é muito fácil perceber isso.
Primeiro, não faltarão pessoas tentando dissuadi-lo de seu próprio talento. Tudo farão para reconduzi-lo de volta à mediania, ou melhor, à mediocracia, que é o sistema vigente nesse estrato a que denominamos cultura. Se você resistir, tentarão cooptá-lo com promessas de nomeações ou ofertas de emprego em atividades sucedâneas. Se você é um belo projeto de escritor, alguém tentará convencê-lo de que é melhor, mais lucrativo, ser um redator de propaganda.
Se você é jovem e promissor cirurgião plástico, com projetos de especialização no exterior, não faltará quem o convide para sócio de uma dessas empresinhas de medicina privada lá onde o diabo perdeu as botas. Se mesmo assim você se mantiver fiel ao seu daimon, à sua lenda pessoal e não arredar pé de seu destino, a invisibilidade torna-se então um processo irreversível.
Os amigos mais chegados são os primeiros a acusar falhas em seus sistemas de radar quando o objeto a ser captado é você ou algo que lhe diz respeito. Os convites tornam-se mais escassos, o telefone já não toca como antigamente; e mencionar seu nome ou seus feitos, nas reuniões para as quais você não foi convidado, passará (sic) a ser tomado como um gesto de imperdoável traição ao grupo. Desse momento em diante, só os inimigos falarão de você. Falarão mal, obviamente.
E o mais curioso: à maioria desses "inimigos", a noventa por cento deles, você jamais falou, jamais sequer foi apresentado. Os amigos a gente escolhe, os inimigos escolhem-se a si próprios. Esta talvez seja a parte mais cruel (ou mais irônica) da história. A sua visibilidade, enquanto pessoa, transfere-se para a imagem que os outros fazem de você. Pois é ela, a sua imagem, que circula e passa a freqüentar os lugares para os quais você já não é solicitado. Não é mais você em pessoa – carne, sistema nervoso, personalidade, alma –, que se oferece à percepção do outro, mas uma espécie de correlato simbólico impregnado de tudo o que os outros lhe atribuem.
Para encurtar: vale a pena manter-se fiel ao seu daimon e cumprir com resignação cada etapa de sua lenda pessoal? Acho que sim. Curitiba está cheia de pessoas invisíveis.
(Jamil Snege)
quinta-feira, novembro 19, 2009
1ª aula de ilusionismo
a luz se curva ante a matéria?
nada nesta mão e nada resta
mais espaço, a mágica começa
a frase sai sem ter idéia
diz tanto quanto dá na telha
um som nenhum puxado pela orelha
cartola tola, fraque de aluguel,
atrás, estrelas, furos no fundo negro
que, a partir de agora, passa a ser o céu
bruxuleio que faz do real um erro
palavras, luz luxo, miss miséria
o poema se curva ante a platéia?
(Roberto Prado)
quinta-feira, novembro 12, 2009
Ó, céus!
deliberações sintéticas da ordem dos geômetras nefelibatas
mal de deserto com água se cura
nada por perto, chover é precipitação
cúmulo mesmo é formar uma figura
nuvem que deixa ver densa a solidão
2. Elementos obedientes.
de olhos fechados eu desvendo
pobre cego de
mistérios? esse sol nascendo
só para comprovar minha teoria
3. Supremacia da fórmula.
com a ajuda do meu céu
de nuvens esparsas fiz uma você
agora que eu passei para o papel
não está mais aqui quem te vê
4. Compasso de esfera.
o sol é um sólido insolente
o
eu traço e eis o nascente
no ninho, poente, a galinha
5. Linha férrea.
mesmo contando nos dedos
tudo o que eu calculo bate
desastre não tem segredos
agora sim, astros, ao debate
domingo, novembro 08, 2009
terça-feira, novembro 03, 2009
Na parede
sexta-feira, outubro 30, 2009
Um flagra do Fraga
ASNEIRA
De novo minha iniciativa foi mal compreendida pelo síndico, que vetou a entrada da manjedoura, sacos de capim e a vinda de um ferreiro vez em quando. Diacho. Será que daria para construir no quarto da empregada um minúsculo sistema hospitalar, para cuidar de mulas com tendões inflamados? Eu não sou dos que não se importam que a mula manque. Gritaria geral da vizinhança. Recuei, estrategicamente.
Pensei na piscina pouco utilizada do playground. Bastava uma rampa de acesso e seria tão mais prático dar com os burros nágua. Será que dessa vez topariam? Afinal, não seria nenhuma asneira ou besteira. Apenas uma burrada.
segunda-feira, outubro 19, 2009
Adriano Sátiro e Carlos Careqa advertem
Eremita urbano
esperando a hora de dormir
sol no quarto e os meus olhos ardem
antes mesmo de se abrir
é pela televisão
as novelas são realidade
tudo mais é ilusão
lambendo a ferida
orando pra madona
querendo a querida
solidão
o meu mundo é o colchão
socialmente um eremita urbano
essa é a minha profissão
são meu fundo musical
vez em quando beijo minha própria boca
no fundo eu sou sentimental
terça-feira, outubro 13, 2009
Onde andará Adriano Sátiro?
Adriano Sátiro, aquele rapaz de óculos, em espetáculo com os grandesíssimos (da esquerda para a direita) Arrigo Barnabé, Oswaldo Rios e Carlos Careqa parece que sumiu. Os outros eu sei. E tu, Adriano, onde andarás? Ainda na paradisíaca Penha, no litoral catarinense, a curtir o filhão na areia da praia e a debulhar seus mil instrumentos? Quem souber, recados para este blog.
Coração coxa-branca: ontem, hoje e amanhã
quinta-feira, outubro 08, 2009
MÚSICA LIGEIRA NOS PAÍSES BAIXO
encontro num drive-in lotado
nos repugna ser tocados
amor à primeira vista é um fato
pele e pele repele contato
entrando e saindo pelos buracos
isqueiro no bolso pedindo fogo
nossa luneta sonda a vizinha
vamos pra camona ver a televisãozinha
(Sérgio Viralobos e Marcos Prado)
terça-feira, setembro 29, 2009
Quer resolver tudo, mas tudo mesmo de uma vez?
Curiosidade: o título do poema do Sérgio Viralobos é a citação da letra de uma canção do Beto Trindade (não lembro se com ou sem parceiros). Ou seria uma pichação? Veja nos comentários a discussão sobre as origens da misteriosa frase-título. O Júlio Garrido fez a grande gentileza de mandar a foto histórica acima, única a documentar uma pichação da família ButyKing. À direita, o Baxo. Ao lado dele, o próprio Júlio Garrido.
Grande concentração de milagres
domingo, setembro 20, 2009
Um poema de Rodrigo de Souza Leão
Não conheci pessoalmente o Rodrigo de Souza Leão. Apenas li o seu interessantíssimo Todos os cachorros são azuis. Soube pelo blog do seu xará Rodrigo Garcia Lopes que ele morreu de ataque cardíaco, no Rio de Janeiro, aos 45 anos. Até mais, Rodrigo e obrigado pelo que ficou.
AQUI 2.
Sou maldito de boutique
Mendiguei no meu quarto
Na sujeira das cinzas
Entre latas de cerveja
Fiz de toda a prisão
Um poema feito pele
À moda das cicatrizes
Que eu deixei em mamãe
Amo toda a profundidade
Mesmo aquelas abissais
E desconfio de mim tanto
Que paro o poema aqui
(Rodrigo de Souza Leão)
quinta-feira, setembro 17, 2009
WO IS WxO?
Rodrigão, parceiraço das alturas, provando que é bem mais alto que a minha filha Natália. O poema Wo is WxO foi musicado e levado aos hereges pela santa banda Os Missionários.
Deus me deu este poder:
vida ou morte aos ateus.
A esses, cambada sem alma,
a volta compulsória, via Átila,
ao estrume, huna matéria
em que acreditam.
Mãos e braços não são
senão para dar graças?
Que sentido tem o olho
sob a ótica da descrença?
O flagelo de Deus, de tanto bater
o duro coração, pura carne, há de amolecer
ao infiel, futuro churrasco,
no dente daquele que sobreviver
à diferença entre o dogma e o fazer:
(Rodrigo Barros Homem d’El-Rei, Roberto Prado, Antonio Thadeu Wojciechowski)
quarta-feira, setembro 16, 2009
Cheiros são flores
Cantando para o meu anjo da guarda dormir,
alguém que muito me adora soprou:
do amor deve sobrar só o perfume
e que arda em brasa toda a obra
pra que dela brilhe mais o lume.
Dormindo para o meu anjo da guarda falar,
vejo na leve pétala que me leva
a língua de fogo que nos devora.
A primavera tem aroma de uma Eva
que essa vida, brisa, não carrega.
A lenha chora, mas eleva labaredas.
Soa alto o salmo doído que o calor amansou.
Sobem cheiros, flores das almas delicadas.
- Delicadas feito esse anjo da guarda
que alguém que muito me ama sonhou.
sábado, setembro 12, 2009
A hora e a vez da chibaba
Diversos figurões da república pararam de enrolar e hoje se declaram favoráveis à liberação (ou como eles preferem: descriminalização) da maconha.
Mesmo não sendo gourmet da tal planta, abstraio a dor de concordar com políticos e lhes dou razão. Proibir mato é o fim da picada.
Pois bem. Só semana passada apareceram o muito louco ex-presidente FHC (aliás, curiosamente, seu nome é quase THC, o mesmo que designa o princípio ativo da chibaba - tetrahidocanabinol), o cabeça-feita ex-ministro da justiça, Márcio Tomaz Bastos e o fissurado ministro do meio ambiente, Carlos Minc dizendo que, por eles, o povão poderia fumar despreocupadamente a sua folha de chuchu com pachioli na varanda.
Mas, na verdade, não é de filigranas jurídicas e polêmicas bestas que eu quero falar. É que lembrei da obra-prima que uns amigos meus escreveram, musicaram e ainda devem cantar por aí. Coisas assim precisam ser acesas para não virar fumaça.
Não lembro o título da bagaça, no original que eu tenho está faltando este pedaço. Talvez tenham usado para enrolar um. Vai saber.
PS.: Opa! O Trindade, lá do Reino Unido, já me lembrou do título da bagaça.
Caterva maldita
eu sou chegado numa maconha
eu gosto mesmo é de um bagulho bom
minha cabeça fica bambalhona
eu fumo puro e com manjericão
dançam fumando e dizendo jah
rastafaris cabeças de nego
vou dando bola e dizendo oba
lá no pernambuco tem o cabrobró
a tal sensemilla vem do cafundó
rabo de raposa é muito mió
vem em bolinha e tem que dechavar
baixaram todos os santos da bahia
quando a liamba começou rodar
que veio em lata no solano star
índia, somália, trinidad, polônia
acho que fumo em qualquer lugar
lá no pernambuco tem o cabrobró
a tal sensemilla vem do cafundó
rabo de raposa é muito mió
sexta-feira, setembro 11, 2009
A culpa no cartório
O remorso, pesadamente,
entrou no auditório.
Pediu a palavra,
abriu um dicionário.
que chupa outra do estoque,
sob apoio ruidoso da claque,
negou qualquer aparte.
Reclamando da sorte,
sacou do bolso do colete
a lista telefônica
de Nova Iorque.
quarta-feira, setembro 09, 2009
Sob a lupa do lupo
Sob o impacto dos últimos acontecimentos, lembrei deste poema feito por um trio da pesada e que depois foi magistralmente musicado pelo Beto Trindade. Vejam só:
uma enorme pedra
rolou sobre nossa casa
ela era de palha
como num conto de fada
moído cada utensílio
restou juntar os trapos
contar o que sobrou de filho
e chorar pelos barracos
(Marcos Prado, Antonio Thadeu Wojciechowski e Rodrigo Barros Homem Del Rei)
terça-feira, setembro 08, 2009
Três dedos de prosa
Neste mundo, o que é bom a gente tem que garimpar, meter a unha e não deixar escapar. Aqui vão textos escolhidos a dedo de três escritores de mão cheia. O Mário Bortolotto está em São Paulo, a Léia Leite no Rio de Janeiro e o Luiz Antônio Fidalgo eu não sei (onde você está, Fidalgo?)
1.
Trecho de Soda Pop, de Mário Bortolotto
Ninguém anda com ele e o cara detesta ficar sozinho. Deus, esse cara
2.
Conto de Dalton Fêmea, de Léia Leite
De uma hora pra outra, o rei da batucada.
Para ele o novo Francisco Alves.
Batucava nas panelas, bacias, baldes, tudo, até a tampa da privada, credo, ele chamava de surdo.
Sorte que sem cigarro e copo ele não fica. Com copo e cigarro, nada de samba batucado, porque começava a cantar. Um hipopótamo dando o último suspiro.
Que de dormir os esfomeadinhos gêmeos?
Agora ele, dou graças a Deus, um silêncio de morte.
É hoje.
Ele não vivia cantando que era para mulata sapatear no seu caixão?
3.
Pronto! Agora ele já tinha dez anos de idade. Já podia brincar com o grupo dos primos mais velhos, como sempre sonhara. – Seja bem-vindo, primo, disseram, colocando-lhe uma venda nos olhos e prevenindo de que só tirasse a tal venda, após ter contado até cem. Então, o levaram assim, cego, pra algum canto em alguma parte daquela casa enorme. – Noventa e dois... ele foi contando ... noventa e sete... enquanto o som da voz dos primos sumia por completo... cem! - Tirou a venda dos olhos. Surpresa! Tudo continuou escuro. Ele ficou ali, aguardando o que viria a seguir. Viu então, um pequeno ponto luminoso que foi crescendo, crescendo e iluminando todo o ambiente. Então ele pôde ver o que era: – Fogo, gritou, e percebeu que nas paredes da peça onde estava não havia interruptores de luz, portas ou janelas.