terça-feira, setembro 08, 2009

Três dedos de prosa




Neste mundo, o que é bom a gente tem que garimpar, meter a unha e não deixar escapar. Aqui vão textos escolhidos a dedo de três escritores de mão cheia. O Mário Bortolotto está em São Paulo, a Léia Leite no Rio de Janeiro e o Luiz Antônio Fidalgo eu não sei (onde você está, Fidalgo?)



1.

Trecho de Soda Pop, de Mário Bortolotto


Ninguém anda com ele e o cara detesta ficar sozinho. Deus, esse cara lê Olavo Bilac em voz alta e faz performances sob a luz do poste. Deus, eu ando aplaudindo meu único amigo. Deus, acho que eu sou menos que um escriturário, estou me sentindo menos que um escriturário. Ando falando com uma lata de biscoitos ando bebendo muito pra achar engraçado o lero com a lata de biscoitos. Deus, os biscoitos são tão apetitosos, eu choro quando penso em comê-los. Deus, eu não sei mais nenhuma oração mas eu rezo muito. Olha, eu vou embora vou enforcar a estátua do Aleijadinho vou arquitetar um plano de conseqüências terríveis para os mineiros cantores só vou livrar a cara dos que já morreram. Só bêbado tem saco pra ler o que escrevo. Deus, eu procurei uma clínica psiquiátrica e minha irmã estava na recepção me sorrindo e pedindo dados pessoais. Deus, eu preciso me desintoxicar eu toco a campainha e ela nunca atende eu vou na casa dela e ela deixa bilhetes com a mãe. As garçonetes não anotam meu pedido. Os mendigos não me pedem esmola. Até a acne está ameaçando me abandonar. Deus, você sabe como fazer as coisas.


2.

Conto de Dalton Fêmea, de Léia Leite


De uma hora pra outra, o rei da batucada.

Para ele o novo Francisco Alves.

Batucava nas panelas, bacias, baldes, tudo, até a tampa da privada, credo, ele chamava de surdo.

Sorte que sem cigarro e copo ele não fica. Com copo e cigarro, nada de samba batucado, porque começava a cantar. Um hipopótamo dando o último suspiro.

Que de dormir os esfomeadinhos gêmeos?

Agora ele, dou graças a Deus, um silêncio de morte.

É hoje.

Ele não vivia cantando que era para mulata sapatear no seu caixão?



3.

Aniversário, conto de Luiz Antônio Fidalgo


Pronto! Agora ele já tinha dez anos de idade. Já podia brincar com o grupo dos primos mais velhos, como sempre sonhara. – Seja bem-vindo, primo, disseram, colocando-lhe uma venda nos olhos e prevenindo de que só tirasse a tal venda, após ter contado até cem. Então, o levaram assim, cego, pra algum canto em alguma parte daquela casa enorme. – Noventa e dois... ele foi contando ... noventa e sete... enquanto o som da voz dos primos sumia por completo... cem! - Tirou a venda dos olhos. Surpresa! Tudo continuou escuro. Ele ficou ali, aguardando o que viria a seguir. Viu então, um pequeno ponto luminoso que foi crescendo, crescendo e iluminando todo o ambiente. Então ele pôde ver o que era: – Fogo, gritou, e percebeu que nas paredes da peça onde estava não havia interruptores de luz, portas ou janelas.

3 comentários:

fidalgo disse...

Caro Roberto,

Obrigado pela lembrança. Vou pedir ao Osvaldo Rios que faça o favor de passar a você um exemplar do microcontos (Que agora sei não são tão micros assim)
Lamento que a vida não me tenha colocado nas mesmas aventuras que te colocou. De qualquer forma, ainda quero poder agradecer pessoalmente pela "Macroapresentação ao pé do foguete" que fez para o Microcontos e que, como escrevi no livro, considero um presente que me deu.
Um grande abraço
E até qualquer hora.

fidalgo (O luizantonio)

Roberto Prado disse...

Olha só quem veio me visitar! O Fidalgo, depois de quanto mesmo? Uns 16 anos? Mas isso não importa. Legal você por aqui... e manda o livro! Grande abraço.

fidalgo disse...

Amigo Roberto Prado,

Já estive com o Oswaldo Rivers e entreguei-lho dois exemplares do Microcontos, sendo um deles, obviamente o seu.
Se o Oswado Rios ainda não entregou o livro, infelizmente acabei de entregar o Oswaldo Rios.
Um abraço, e desculpe pelo quiasmo malajambrado.