Eu estava aqui pensando com meus botões, mas, como a roupa que uso não tem botão algum, acabei lembrando do Arnaldo Baptista.
Um cara que, desde antes dos Mutantes até depois de hoje, deixa bom tudo o que toca - há mais de 40 anos. Não que precisasse tanto o cara que fez um verso como “meu trem/ você vai demorar/ estou cansado/ onde é meu lar?”.
Daí, lembrei que o Sérgio e o Thadeu fizeram um poema só com frases desentranhadas de entrevistas do Arnaldo:
o a e o z
pulou na frente quando era pra eu pular
no futuro haverá um museu cheio de novidades:
amplificadores valvulados, guitarras gibson e energia solar
explicações que minha profundidade tem a dar:
no transístor a distorção é sibilante!
meu sonho pessoal amplificado em milhões de watts
o equipamento vai me deixar transmitir isso?
(Sérgio Viralobos e Thadeu Wojciechowski)
Lembro também que, quando voltou à ativa nos palcos, diziam que o Arnaldo Baptista estava maluco e não levaram à sério sua insistência de que era preciso voltar a usar os amplificadores valvulados em shows profissionais. Hoje a ciência sabe que ele tinha razão. No auge dos Mutantes, era um modelo, um ícone, um símbolo e imagino que isso não deve ter sido fácil para um ser com sua estranha sensibilidade. O bando é cruel e, depois de um tempo, acha que sabe como você deve ser melhor do que você saberia.
Pois foi então emendei outra recordação, uma obra prima da mesma dupla de poetas sobre esse assunto:
abraço aos amigos ursos
um rosto que nunca vi mais fino
chegando, sorrindo e me nomeando:
- ó, chefe dos escoteiros junkies!
não, não era um filme de david cronenberg
era um sonho em curta-metragem sobre meus amigos
eu por todos e todos cada um por si
perdido e me perdendo pelos outros
como boi de piranha da manada nihilista
atravessando velha que não queria ser atravessada
só acordei com a fisgada na carteira
meu melhor amigo com a arma na minha cara
foi então que a lâmpada acendeu-me uma idéia:
- declaro aberta a temporada de caça !
(Sérgio Viralobos e Thadeu Wojciechowski)
E foi aí que me deu saudades do Sérgio Viralobos, hoje em SP, um cara que, como o Arnaldo Baptista, deixa o ar da sua genialidade em qualquer texto onde ponha a mão.
Me toquei também que, com tantas parcerias cruzadas entre eu, ele, o Marcos e o Thadeu, só em uma se juntaram os quatro mosqueteiros:
chão de brasas
sonho pela barriga
o vídeo da última comida
não há piquenique sem formiga
salva de sal grosso
nas partes do elefante
acordo para o almoço:
espetinho sem carne
(Marcos Prado, Roberto Prado, Sérgio Viralobos e Thadeu Wojciechowski)
5 comentários:
Eu sabia que quando vc começasse a coisa ia esquentar pra valer. O Arnaldo Baptista é tudo isso e mais um pouco. Boa lembrança, Beco, bom texto. Assim eu vou querer vir aqui todos os dias.
Thadeu
É isso aí, Thadeuzão. E não dá outra. Sempre que puder eu vou fazer essas sinapses, pois as coisas da vida e da arte andam meio isoladas. Ligar uma coisa com outra é preciso. Ou então a gente acaba ficando igual a um parente meu que falou para o padre, que reclamava da sua ausência nas missas: - Mas seu padre, eu sei até fazer o sinal da cruz... só não sei espalhar na cara!
O que o próprio contou foi que estava internado, agitadídimo. Se era pela Madame Lee, ele não confirmou. Aí veio o erro: a enfermeira aplicou nele um medicamento agitante no lugar do calmante. Daí o cara apagou e nem soube que estava num prédio, quanto mais que tinha pulado de um. Ele insistiu tanto nisso, quando "acordou" (a lembrança só voltou anos depois) negando que um dia tivesse tentado o suicídio, que foram atrás verificar e acharam, nas anotações do hospital, a confusão química. Mas, em geral, eu, particularmente, não acredito que alguém se mate por amar demais outra pessoa. Acho que aí é o caso de amar demais a si mesmo a ponto de não suportar uma frustração ou não ter paciência para o tempo alheio. Sabe Deus.
Abração, Careqa.
Esse é o cara que diz coisa com coisa. Parabéns.
Valeu, Raimundo. Gostei do seu blog, a poesia em estado de eterna pauderescência. Volte sempre. Grande abraço!
Postar um comentário