sábado, fevereiro 18, 2006

Quem resiste, apanha. Quem espera, desiste.



Ler a poesia completa do Bertolt Brecht é esporte radical, passeio em montanha russa sem cinto de segurança.

Num momento, somos levados para os abismos da alma humana, flertamos com a eternidade e recebemos o universo de bandeja. Em outros, caímos de bode com textos datados, panfletos antifascistas e loas ao partido comunista.

Aí, damos um trilhão de descontos, pois o sujeito não estava posando de esquerdista na TV, mas enfrentando Hitler e a SS. Breve intervalo e passamos para saborosos poemas zen-taoístas, linguagem límpida, força primitiva, um misterioso ar oriental mexendo delicadamente com as cortinas da nossa cachola.

No final, novo susto e saímos maravilhados com algumas das mais gloriosas e estonteantemente belas odes à amizade que este planeta já ouviu, repletas de afeto, honra, gratidão, fidelidade.


Você, que conhece a alma humana, já deve saber que os poderosos de qualquer regime não deixariam um sujeito desses viver sossegado em lugar nenhum do planeta (e olha que ele rodou meio mundo):



De cidade em cidade

Sento na beira da estrada

Enquanto o motorista troca a roda.

Não gosto da cidade de onde venho.

Não gosto da cidade para onde vou.

Então por que espero essa troca de roda

Com tanta impaciência?

(Bertolt Brecht - tradução de Roberto Prado)


E o cara continuou, incorrigível, metendo o bedelho em tudo, incapaz de fingir que não era com ele:

Terra nostra

Fora essa estrelinha apagada,

pensei, não temos nada

E ela está toda suja e devastada

Ela é nossa casa, nossa única casa

E olhe só o estado da coitada.

(Bertolt Brecht - tradução de Roberto Prado)


Só de olhar a foto dá para imaginar que ele não estava nem um pouco preocupado em agradar à cachorrada. Vão lá. Tem muito mais de onde saíram esses dois.

* O título deste post é verso de Brecht traduzido por Domingos Pellegrini e publicado no livro Poemas para gente de teatro. Quem se habilita a reeditar essa preciosidade?

6 comentários:

Roberto Prado disse...

Legal. Careqa, também gosto demais da obra do cara. Como você deve ter notado, hoje eu penei um bocado até conseguir editar e publicar o post corretamente. Falhava, ia pela metade... Releia agora, que agora não falta nada. Abração!

Ligia K disse...

Bom pra caramba!!! Beijos.

Roberto Prado disse...

Oi, Lígia, bem-vinda. Que responsa, a minha. Você e o Careqa, que falam alemão, lendo a minha versão do Brecht. Ainda bem que você gostou. Volte sempre.

Flávio Jacobsen disse...

Belas traduções, Beco. Vai trabalhar no Atlético, meu! hehehe. Recomendo a todos um livrinho amarelo do Fernando Peixoto, "Brecht Vida e Obra". enmcontra fácil na biblioteca. Ali tem tudo pra quem quiser se iniciar no univeso deste alemão do caramba. Seguinte, pequena correção, Beco: Bertolt (com t no fim). Grande blog, grande poeta, grande abraço.

Roberto Prado disse...

Beleza, Flávio. Vacilei, cara. Essa mistura mortal de ignorância com madrugadas insones postando às vezes dá nisso. Legal que você gostou. Volte sempre e esteja à vontade para corrigir o que estiver errado. Vou procurar o livro do Peixoto. É da poesia ou do teatro? Abração.

Flávio Jacobsen disse...

do teatro. valeu, véio.